10.5.05

Ganhou!

O homem ajeitou uma última vez o turbante alaranjado, que cismava em esvoaçar-se com o vento vindo das janelas escancaradas (fluxo energético, ele justificara). Uma lufada maior quase carregou o baralho, de modos que o sujeito rapidamente colocou uma pedra escura por cima do mesmo.

- Não tem problema? - perguntou Neide, sem saber onde por as mãos.
- Eton todas energissadas, mina cara. - respondeu-lhe em seu sotaque bisonho.
- Ah, então tá.

Meio sem aviso, ele começou a virar as cartas já posicionadas para cima, uma a uma, como se tivesse resolvido pular a ritualística que tanto tinha prezado até o momento que o vento começou a soprar um pouco mais. Ela pensava em criticá-lo por isso um instante antes que o "v" puxado a interrompesse.

- Vvocê etá muto inssegura... preocupada, muta precupaçons po sobe su cabecina... - a imagem estampada na primeira carta, com uma mulher chorando, ameaçada por diversas espadas pendendo do teto, dava-lhe aparente razão em sua interpretação.

- Ai meu Deus, estou mesmo.
- Silêssciô!

Cala-se Neide, enquanto ele virava a carta seguinte, abaixo da primeira.

- Poquê... vvocê dexô pa tás alguéin querido... foi einbora...

Neide faz que sim com a cabeça, lágrimas já quase deixando-lhe os olhos. Na imagem, um homem cabisbaixo segue rumo a uma estrada, deixando para trás oito cálices empilhados numa armação incompleta.

- Mass agora, o futuro tráss... - ele fez suspense enquanto virava a terceira carta, acima das demais; arregala os olhos e, súbito, salta da cadeira - Ganhou!
- Hein?

Na carta, imagem de diversos sacos empilhados, com cifras no lado de fora e notas de dólares saindo pelas aberturas.

- É o arcano um milhão!
- Quê?!
- O arcano que aparece no futuro das pessoas que vão ganhar um milhão de dólares!!
- Como assim!?!

Entram pela janela, voando, inúmeras notas de mil dólares; ouvem-se fogos de artífício pela vizinhança, faixas coloridas de felicitação nas paredes.

- Você tá rica, Neide, rica!
- Rica?!
- Rica!!
- Rica!!! Tô rica!!!
- A magia das cartas! - ele joga notas para o alto em grandes bolos, ela faz o mesmo.
- Um milagre!
- Um milagre do caralho, do caralho!
- Ué, mas e o teu sotaque, guru?
- Calaboca e num reclama porra! E vai pensando nos meus honorários!
- Tá, tá...