14.4.05

Os Oito Copos - Segundo

Rodrigo tinha esperado por ela na porta do prédio durante quase uma hora. Disse que sabia que ela se atrasaria, mas não se importava. Estava diferente, vestia uma camisa xadrez, mas agora com um ar de sério, por dentro da calça. Tinha deixado crescer o cavanhaque e cortado o cabelo até à altura do pescoço, repartido ao meio. Ela adorava aquilo, tinha tara por aquele visual.

- Gostou? – ele perguntou, quando Fernanda comentou. O filho da puta sempre soube que ela preferia assim, desde a época do colégio. Quase lhe deu um soco; se ela gostou, ora é claro que gostou! Ele estava lindo!

Subiram no elevador comentando sobre a primeira vez que tinham vindo a uma festa naquele play, ele dizendo que sentia muita saudade daquele tempo – mas seu olhar deixava bem claro que, por “aquele tempo”, referia-se em grande parte somente a ela. Sorriam.

O play já estava cheio, e eles cumprimentaram, juntos, cada um dos seus antigos colegas de escola. Lê trouxera o namorado, um sujeito um pouco mais velho que estava com ela há mais de dois anos e terminava a faculdade de medicina. Ela pareceu espantada de ver que Fernanda vestia-se mais ou menos da mesma forma que há 6 anos antes, visto que ela mesma havia mudado totalmente de visual, de jeito, de tudo; não falaram muito, mas parecia feliz.

Demoraram a reconhecer Rétz, sem o cabelo esdrúxulo e todos os antigos acessórios, conversando com Picles e o tal Pedro – muito curioso, já que, até onde Fernanda se lembrava, na escola eles tendiam a se esbofetear à primeira vista. Rétz lhe explicou que os três vinham se encontrando muito no foro de justiça estadual, ultimamente, e estavam discutindo a falta de segurança nos corredores do mesmo. Rodrigo concordou com as afirmações, e após acrescentar que o foro federal, que ele freqüentava mais, era o exemplo a ser seguido, perguntou-lhes se tinham visto a Paulinha ultimamente.

- Ah, eu tenho visto ela, sim. – respondeu Rétz, sorrindo, mostrando a aliança no anular esquerdo. – Ficou em casa cuidando da Vivica, tadinha. Tava morta de sono.

Vivica era a filhinha de 3 meses deles.

Os dois escapuliram um pouco da agitação, foram até a beira da piscina.

- Não é esquisito? – perguntou Rodrigo.
- O quê?
- Não é, quer dizer, você não sente, não é? Isso, assim, nós, aqui, esse tempo todo depois, em frente à mesma piscina. Parece que nada mudou.
- Parece.
- Uma festa na casa da Lú. A gente sozinho aqui. Igualzinho à primeira vez que a gente ficou.
- A gente veio aqui depois que o Rétz e o Picles brigaram.
- É.
- E começamos a jogar o jogo do dedão.

Ela lhe estendeu a mão, e ele, sorrindo, segurou-a, e começaram a jogar.

- Aí eu te ganhei, como sempre. – disse ele, enquanto pressionava o dedo dela sob o seu.
- Ai! Solta! Solta! – ela riu de volta, torceu o braço em vão para tentar se libertar.

Ele pegou em sua mão e a olhou.

- Aí eu te beijei.
- É, nem disse nada antes.
- A gente nunca precisou dizer nada.

Ele aproximou o rosto.

- Precisou, sim. – ela o interrompeu.

Ele a beijou assim mesmo, e ela não encontrou em si vontade para resistir. Voltou a falar, quando seus lábios se soltaram.

- Precisou. – ele se aproximou de novo, ela desviou o rosto – Não, Rodrigo, não. Não vou passar por isso de novo. Ninguém merece essa burrice.
- Você fala e continua aí, sorrindo.

Ela demorou a perceber o sorriso que tinha se formado em seu próprio rosto, e ele aproveitou-se do instante de hesitação para beijá-la novamente. Fernanda não sabia mais como evitá-lo, como não achar que seu beijo, seus braços, fossem a única coisa boa no mundo, ao ponto em que parecia mesmo que eles estavam ficando pela primeira vez. Nada mudara, nada fora abandonado, nem esquecido.

Ele a puxou pelo braço, e seguiram rindo para a escadaria interna do prédio, exatamente como haviam feito 8 anos antes. Ele dizia, enquanto deslizava a mão por entre as pernas dela, que nunca havia conseguido esquecê-la, que as outras mulheres eram idiotas, que ele mesmo era um idiota. Ela nada respondeu, mas era porque não tinha coragem de dizer que sentia o mesmo. Ele beijou seu pescoço, subiu o rosto e, pouco antes de alcançar a boca, enquanto apalpava por dentro da blusa, declarou, como quem não consegue se impedir de dizer:

- Eu ainda te amo.

O barulho de uma porta se fechando, possivelmente apenas um andar acima, impediu o sexo, afugentando-os de volta para a beira da piscina.

- Vamos sair daqui. – Rodrigo sussurrou, pouco depois de mordiscá-la na orelha, já fora da escadaria.
- Já saímos.
- Não, daqui. Do play, da festa.
- Não sei...
- Tô de carro.
- Rod, eu, assim. Não sei.

Ela tinha consciência da falsidade de suas palavras; os atos, mais genuínos, geraram outro beijo. Ele se afastou na direção do elevador:
- Me encontra no térreo? Daqui a uns 10 minutos?
- ... tá.

Não achara outra palavra em sua boca, nem vislumbrava para si mesma futuro próximo que não envolvesse ela, Rodrigo, uma cama e nenhuma roupa. Teve um momento de sinceridade interna, enquanto rumava de volta para o salão de festas: aquilo era mais, melhor do que teria imaginado em qualquer um de seus sonhos. E ela sempre soube que não o esquecera, e que ainda sentia algo por ele, mas... não imaginou que seria tanto, tão forte.

No salão, o bloco dos nerds chegava em massa, cerca de 8 deles. Aparentemente, ainda se viam quase toda semana, mesmo depois de todos aqueles anos, e iam cumprimentar Luciana, que discotecava, e namorava um dos amigos deles. Vinham da mesa onde Alessandro, seu antigo professor de História, que ela jamais imaginaria estar presente, bebia uma lata de cerveja de costas para a parede, e se despedia de um homem sorridente, de rosto sardento, que saia por outra porta em direção ao elevador dos fundos.

- Professor Alessandro!
- Oi, Fernanda. – ele tentou, o melhor que pôde, sorrir, mas sua expressão cabisbaixa acabou por alterar-se pouco. Ela manteve o sorriso bobo, involuntário, que cismava em não abandoná-la.
- Meu Deus, eu não acredito, não a-cre-di-to! O que o senhor está fazendo aqui nesta festa?!
- Estou montando uma pirâmide de latas de cerveja vazias.

Havia somente uma lata vazia na mesa.

- Ah. – ela riu. – Que exemplo pra sua primeira turma de ex-alunos!
- Me ajuda aqui?

Ele lhe estendeu a lata, que tinha apenas uns poucos goles sobrando; ela despejou o conteúdo garganta abaixo e depositou o recipiente vazio no pano azul da mesa.

- Muito bom. Mas e aquele outro camarada lá, quem era?
- O irmão da Luciana, sabe? Ele foi um grande amigo meu, tempos atrás. Eu vinha muito aqui.
- Irmão? Qual, o Patrick? Não acredito! – ela parou e ajeitou as latas, enquanto ele fazia sinal para que o Mateus, ao longe, lhe trouxessem mais uma ao voltar. – Mas ele tem sua idade, né? E aposto que esse play não mudou nada desde a época em que você vinha.
- Mudou. Acho que tudo sempre muda, só eu continuo igual.
- Você acha mesmo? Quer dizer. Mesmo no meu caso. Quer dizer. Você sabe que eu. Não mudei muito, assim... como posso dizer...
- Lá dentro. – ele completou.
- É. Nem o Rod. E essas coisas, assim... elas nunca mudam, no fundo, né?
- Fernanda, até eu consigo dizer o que você quer me perguntar.
- Sei. Você me viu ficando com ele de novo. Todo mundo viu.
- Sim.
- E acha que as coisas podem ter mudado o suficiente pra dar certo dessa vez, se eu tentar de novo?
- Não.
- É, sei. Eu entendo. Fiquei o último mês inteiro pensando em como ia ser isso aqui, quando eu encontrasse ele de novo, fiquei sonhando que ele ia me dizer que ainda me ama, porque eu ainda amo ele, sabe? E fiquei sonhando que as coisas aconteceriam meio que igual à nossa primeira vez. E tudo isso aconteceu. Mas eu continuo tendo a sensação de que tem alguma coisa de muito errado, e não consigo enxergar o que é.

- Você não veria nem que estivesse do seu lado.

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"continua"...