18.2.05

Canção II

"you don't want a boyfriend
what you want is mr. spock
to come to your wasteland
and destroy the robot
something more than human
someone with blood that's cold and green
you want something better
than me"

- Nerf Herder, "Mr. Spock"


- Diz alguma coisa, Fernanda, porquê você não diz nada?

Silêncio do outro lado da linha.

- Não faz assim comigo, eu não mereço isso. Você sabe que eu te adoro! Eu não paro de pensar em você, não consigo ficar longe, não consigo ficar sem falar com você! Não consigo, você tá me ouvindo, Fernanda, você tá aí?

Ela estava, e não conseguia acreditar.

- Você sabe que eu te acho a mulher mais especial do mundo! Eu adoro tudo seu, seu jeito de falar, como você tá sempre rindo, suas músicas, as suas roupas, gosto até do jeito que você come batata frita! Caralho, Fernanda, eu. Me dá outra chance, não faz isso comigo, você sabe que eu...

Não, ele não ia fazer isso, não assim, pelo telefone, choramingando desse jeito, não era possível; o Carlos era bobão mas já era um homem adulto!

- ... eu te amo!

Ah, pelo amor de deus.

- Não, Carlos, não ama, não. - ela respondeu, e desligou.

* * *
- E unhas de quê? - Dolfo conseguiu perguntar, entre os risos. - "Meleca plastificada", é isso?
- É, isso. - respondeu Fernanda. Ele voltou a rir, foi diminuindo enquanto seguiu falando.
- Fico bobo com você, Dininha. Eu já ficava bobo desde a primeira música que te vi cantar, passei esse ano e meio todo que a gente vem tocando junto bobo, porque você, porra! Cê é engraçada pra caralho!
- Ai, meu deus. - ela sorriu.
- Não, fala sério, olha só essa letra! O cara construindo o monstro, aí casando com ele, as coisas que você colocou no monstro, caralho, é muito bom, quando você for cantar isso no palco vai ficar do caralho!
- A música não tá muito boa, ficou meio rockzinha melosa. Tenho que mudar o teclado, dar um jeito nos metais...
- Culpa dessa merda de Nerf Herder que você anda ouvindo, mas deixa isso pro ensaio. Mas o que eu ia dizer, é que eu sempre fiquei me perguntando como você conseguia isso, ser sempre engrçada, eu ficava imaginando você sozinha pensando nas paradas e se matando de rir antes de sentar pra escrever. Mas aí naquele dia da loja, com o Fábio, aí eu entendi, e aí passei a te achar ainda mais sinistra.
- Entendeu, Dolfo, entendeu o quê?
- De onde você tira suas idéias! Quer ver, aposto que isso aqui saiu de alguma coisa que o Carlos te disse.
- Não! Quer dizer, um pouco, assim, indiretamente.
- Ah, tá bom, você acha que me engana!
- Dolfo, não tô te enganando, menino!
- Você é muito boazinha pra admitir que fez uma música zoando teu ex! Hahahaha!
- Dolfo, pára com isso, eu não tô zoando ele, tô falando sério!
- Seríssimo!
Mas estava. Ela não tinha feito aqueles versos pensando em Carlos; tinha feito como sempre fazia, zoando a única pessoa que sempre zoava:
Ela mesma.