26.1.05

Escolha

Vivemos a ascensão da geração shopping center; Toffler quebrou a cara: seu "prossumo" continua a anos-luz de distância, e do lado de cá permanecemos só consumindo, mesmo. a vida ainda é como um longo passeio por corredores entupidos de lojas onde adquirimos nossas identidades - roupas, músicas, livros e filmes favoritos, possivelmente em kits de tribos ou turmas, dentro das fileiras das quais por sua vez adquiriremos também nossos amigos e amantes. A vida é escolha, e a escolha, uma sucessão de fragmentos inconciliáveis.

Inconciliável é precisamente a palavra. Vê, Angela? O que acontece com os fragmentos de tua vida? A escolha é como um trio de jovens apaixonados se matando pelo afeto de sua amada: ela mesma é que opõe e divide, separa, fragmenta. A escolha é a morte anunciada de toda possibilidade, de tudo que você também gosta mas não priorizou. O arbítrio é a suprema intolerância, a limitação humana, e sua maior ferramenta de criação: assassino e pai de todas as histórias. É risível, trágico, almejar a totalidade enquanto nos fragmentamos, buscar a tolerância enquanto rejeitamos; a contradição interna é a alma da existência - e por isso mesmo emocionante, verdadeira.

O beco sem saída da escolha é a maior mentira dos propagandistas do arbítrio, é a letra miúda do contrato de compra assinado pelas almas inocentes rumo ao útero materno: não podemos escolher não escolher. A escolha é obrigatória, e a obrigação, a negação da escolha; lados da mesma moeda cuja existência vai mutuamente se anulando e magicamente regenerando logo após, mais um episódio em que o rabo da cobra tornará a crescer depois de mordido. O fardo do arbítrio é a raiz de toda a necessidade; a escolha, a mãe da injustiça.