21.1.05

A Cor De Seus Olhos - Bodas de Canaã

Baixa Idade Média. Uma Igreja.

Angela, órfã de camponeses vítimas da peste, é acolhida lá. Raphael é o mais jovem padre local, com os votos recém-feitos. Ivan é estrangeiro, veio do leste, uma mistura de bruxo, vidente e vendedor de bugingangas na vila mais próxima. Marcos retorna das cruzadas, a caminho de receber o título de Barão de El Ferrol, na costa oeste da Galícia. Os olhos dela são azuis claros.

Raphael passara muitos dias de sua vida tentando, em vão, converter Ivan à sua fé, pois julgava que ele era no fundo um bom homem, e que podia levar uma vida moralmente correta e gratificante, longe dos afazeres do demônio. Ivan, que normalmente falava pouco, sempre sorria-lhe de volta seu meio sorriso e retrucava com citações de algum evangelho apócrifo, mestres gnósticos ou ensinamentos da igreja ortodoxa. Aquilo durara até que Ivan lhe perguntasse, sem nada que aparentemente o levasse a fazê-lo, de quem tinham sido as bodas de Canaã.

"E que importa isso?", retrucou Raphael.

"Importa", respondeu-lhe Ivan, "porque foram as bodas de Jesus e Madalena. Ou pensas que é por acaso que João diz ser ela quem mais chorava, e a quem Cristo mostrou-se primeiro?"

"Como podes pensar que Cristo casaria-se com uma prostituta?"

"E o que te faz pensar que ela era uma?"

Foi enquanto discutiam esta hipótese que Raphael e Ivan avistaram Angela pela primeira vez, enquanto o Coroinha a trazia para a Igreja, inconsciente, e pela primeira vez o jovem padre vacilou em sua fé; nunca sentira emoção tão forte.

Ivan trama para conquistá-la. Em uma noite chuvosa, usa um feitiço que aprendera com os galeses para tornar fraca sua vontade e imbuí-la de desejos. Ela surge na madrugada pelos corredores dos fundos da igreja berrando e rasgando suas vestimentas, enquanto corre para fora, na direção da cabana de Ivan. Raphael, percebendo que ela não é dona de sua vontade, a detêm e exorciza, quebrando o feitiço; ela cai desmaiada em seus braços, e no instante em que abre os olhos, pouco depois, passa a corresponder os sentimentos dele.

Ela lhe oferece sua gratidão eterna por ter sido salva da perdição e, mais tarde, por meio de uma carta, oferece-lhe também o seu amor, ainda que ele nunca viesse a consumar-se. Ele recusa-a sempre, mas, no fundo, vacila - afinal, porque devia ele, um mero pecador, ser casto, se nem o filho do Homem o havia sido?

Marcos está de passagem pela cidade, e vendo a moça durante a missa, mesmo prestes a casar-se, passa a desejá-la mais que qualquer outra coisa. Aborda-a, oferece-lhe até um lugar na corte, próxima a ele, mas ela o recusa, escolheu Raphael, tem apenas espaço para ele. Marcos tenta violá-la, ali mesmo, nos fundos da igreja; Raphael aparece e intervém. Marcos é poderoso e influente, mas não se arrisca a enfrentar o clero.

Angela decide que, se não pode passar a vida com Raphael, prefere então dedicar-se a Deus, como ele; viajará para um convento para tornar-se freira. Ivan vê nisso oportunidade de uma aliança. Ele aborda Marcos, e o convence a usar mercenários para capturar a moça quando ela se dirigisse ao convento.

Na véspera da viagem de Angela, porém, Raphael a encontra, às escondidas, quebra seu voto e deita-se com ela. Também escondido, acompanha-a na carroça que a leva para o convento, sem saber dizer o porquê. Os homens contratados por Marcos cercam-nos ao amanhecer, matam o cocheiro e, estando prestes a violentar Angela, desobedecendo seu contratante, são detidos por Raphael, mesmo desarmado, que dá a ela chance de fugir. Ele não tenta acompanhá-la: põe-se na frente de diversos golpes de espada, cai ferido.

Morre feliz, pensando em Cristo, seu senhor, e na cor dos olhos da noiva de Canaã.

Tempo.