19.12.07

Alessandro

Oi.

Tenho muitas coisas que posso dizer sobre este blog e, particularmente, sobre os últimos posts. Vou dizer só algumas sobre o blog, porque senti que seria bom, e sobre Alessandro, de tabela. Tenho tentado, já há algum tempo, cada vez mais segurar minha forte tendência de explicar demais minha literatura de ficção - que só faz ficar mais forte conforme sigo (ou tento seguir?) na carreira de professor e pesquisador, onde afinal, estou sendo pago para explicar. Não que advogados sejam muito diferentes nesse sentido.

Por outro lado, o resultado infelizmente muito freqüente (pelo menos bem mais do que eu gostaria) dessa postura é que ninguém entende porra nenhuma, ou, pior, entende algo completamente diferente do que imaginei. Tá, tá, eu sei que parte da graça é deixar a obra aberta a interpretações - mas se há tanta diferença entre intenção e resultado, é sinal que provavelmente alguma coisa está dando errado, e provavelmente a culpa é do autor. Então vou me permitir "explicar" algumas coisinhas a respeito deste blog, particularmente aquelas que já não funcionaram, porque, até onde posso imaginar agora, o post anterior encerra definitivamente as atividades de Alessandro por aqui.

Pra começar, se você é um leitor atento - e sei que são poucos leitores - terá reparado que este é o primeiro post em primeira pessoa assinado com o meu nome (descontado um erro que cometi um bom tempo atrás), isto porque era parte da premissa do blog escrever apenas ficção, mesmo que travestida de realidade via Alessandro como narrador. Então, era essa mesma a idéia: uma nova estorinha com o Pisandro, narrada por ele como o romance havia sido, mas num formato de blog, até porque este era mesmo próximo do tom intimista do primeiro.

Aconteceu? Difícil dizer. Em muita coisa vejo agora que faltou coerência - a começar com a brincadeira que acabei fazendo com alguns dos leitores que acharam que Alessandro era uma pessoa de carne o osso: ao invés de esclarecer, encorajei essa interpretação ou simplesmente não esclareci nada, o que certamente só obscureceu a real natureza dos textos e colaborou para manter o template sem nenhuma explicação. Pra piorar, respostas dele aos leitores nos comentários. Depois, a péssima idéia de fazer Alessandro conversar comigo em alguns dos primeiros posts...

Mas certamente o que mais dificultou foi a inexistência de um estilo marcado, que diferenciasse a escrita de Alessandro da minha. No começo, então, quando ele estava "em crise" e deixando de lado coisas como formatação correta, então, era pior. E ele ser parecido comigo era boa parte da graça - que não justifica, pelo contrário, piora, a falta de algo que distinguisse ou evidenciasse indiretamente essa diferença. O formato pelo qual conduzi a estória, isto é, posts opinativos que chegavam mesmo a lembrar os de meu blog anterior, também nada fizeram para tanto. Fechando tudo isto, estavam meus contos e crônicas, misturados no mesmo blog, descaracterizando-o como a proposta de contar uma estória em particular. E no fim das contas, a evidência que o leitor tinha para entender que Alessandro era o narrador de uma estorinha contada através de seus posts era apenas e somente a de que seu nome, e não o meu, era o que os assinava.

Vivendo, aprendendo, e esquecendo. Já Alessandro, continuo gostando dele, da forma que imagino seja típica para autores que gostam de personagens com pesados toques autobiográficos. Especialmente levando em conta o número crescente de "divinações" reveladas na estorinha dele (por isso entendendo-se coisas que acontecem com o personagem e depois aconteceram com o autor) que, no fundo, mostram de certa forma que ele é mesmo meu herói e que, quando crescer, quero ser como ele - e aí já vai a confusão de quem quer ser quem.

E claro, parte do que gosto de Pisandro é que ele é um babaca - mais ou menos do mesmo jeito que gosto de Kryptus porque é um tirano homicida - e, como tal, me permite escrever babaquices em primeira pessoa (certo, mais babaquices do que o normal). Mais que isso, talvez, é muitas vezes meu alvo para a brincadeira do "do contra", em que o autor brinca de fazer seu personagem dizer, pensar ou agir exatamente da forma oposta a dele, pelos mais diversos motivos - o que, diga-se de passagem, funciona melhor ainda com os tais toques autobiográficos. Ou ainda porque, por ele ser um tolo (e ele é), com isso poderia ter a prerrogativa de dizer verdades que tolos dizem.

Claro, mesmo que herói, herói trágico, então ponha-se sérias restrições na parte de "quero ser quando crescer". A bem dizer, embora "oficialmente" mais velho, Pisandro é a criação de uma cabeça de adolescente, vivendo como um analfabeto emocional mascarado de Doutor - no fundo, penso que é esta a causa maior de seu pessimismo, angústia e revolta: que permaneça preso nas questões da adolescência.

E mesmo os personagens mudam, seguindo os tempos e, naturalmente, seus autores. O que tudo isto significa para este autorzinho aqui não é questão para este blog, mas sinto que o tempo desta estória, e mesmo dele, já passou. O que farei com o site não sei ainda; já tem sido cada vez mais difícil vir aqui escrever, mesmo estes posts de encerramento, e tenho outros projetos. Então, a princípio ele fica assim mesmo, parado, meio morto, até que eu ou tenha a disposição de revivê-lo com algumas das coisas que venho escrevendo ou começar outro.

Até esse dia.

14.11.07

Heitor - IV

Li a frase do post anterior, e pus-me a perguntar: não estava normal. E agora, estou? E como responder a isto sem estipular um "normal" próprio que dificilmente pode ter uma base empírica consistente? "Fui de um jeito antes" não serve. A bem dizer, "já fui de um jeito" é a única prova que temos de que jamais tornaremos a sê-lo novamente, únicos em cada momento por ser cada momento único. Então penso que já escrevi sobre isto antes, que estou me repetindo, e que isto é típico meu, "normal", e as teorias todas vão se misturando.

Sei o que é que faço aqui: este é meu espaço livre da obrigação de coerência, e talvez por isso canse-me dele. Sinto que me urge recolocar a vida no lugar, um lugar diferente, e urge mais coerência no viver e mais tempo gasto no que escolhi como objeto de minha dedicação - ou menos tempo com bobagem. Vou parar de escrever aqui, deixar pra trás isto, largar mesmo, não quero mais saber desta merda de blog. Já teria mesmo parado se não fosse este post incompleto.

O leitor esperto e assíduo já fez as contas 4 meses atrás, ao terminar de ler o post anterior. O que havia mudado em mim é que a a ficção havia me pregado uma peça, meu personagem começara a vingar-se de mim como eu planejara vingar-me nele: eu conheci Carla e me apaixonei perdidamente, como ele. E fui frustrado em minha esperança de escapar à solidão, como ele.

Minha esperança foi tanta, ou talvez minha felicidade o tenha sido, que decidi compartilhá-la: fiz com que Heitor tivesse outra companheira, talvez até para que, quando escrevesse em seu nome, pudesse transbordar através dele minha felicidade. E quando Carla me arrasou, fiz o possível para arrasá-lo também, e poder através dele transbordar minha frustração e raiva.

Falhei. Heitor estava agora totalmente fora do meu controle. Os lamentos duraram pouco, logo substituídos por um novo romance, e desta vez uma coisa quase de sonhos: uma estranha que, em uma noite, tornou-se paixão avassaladora e, em não muito mais que isso, amor e companheira de todos os momentos. Eu havia criado Julia, esta outra personagem, que era para ele uma contraparte tão adequada que chegava a ser suspeita - deus, eu usei clichês ridículos como "nossa, você também fez teatro!", "nossa, você também gosta de (nome de banda)"! Quando fiz com que a resposta a "você conhece sandman?" fosse uma tatuagem da Delírio nas costas dela, entendi que havia cruzado a barreira do ridículo - e não sabia dizer porquê!

Mas o leitor deve estar entendendo, porque é mais fácil entender estas coisas quando lidas, quando se tem o tempo da reflexão. Eu entendi quando fiz isto, li e refleti sobre o Heitor que agora assinava meus textos, feliz com suas escolhas, feliz com sua cara-metade, e, como ele mesmo escrevia, pronto para fazer tudo de novo, sem se importar com os riscos de ser novamente frustrado. Entendi e tive medo, tive asco de mim mesmo e minha ingenuidade:

Heitor não era minha vingança contra o mundo - se em algum momento o fora, não era mais; era, sim, meu desejo do mundo, a vida que eu almejava. Eu o criei com a intenção de destruí-lo e me justificar, mas tudo que consegui foi destruir minha justificativa: todas as semelhanças eram prova de que meus insucessos eram de mais ninguém, meus apenas; senão a prova factual, a prova que eu mesmo produzira, de minha alma. E eu o odiei, mas já não sei se ainda o odeio. No momento, não penso nisso.

No momento, quero distância. Talvez, no futuro, nossos caminhos se cruzem novamente; mas até lá, espero ter me tornado um Alessandro diferente.

Adeus, leitor. Se o blog te afeiçoa, podes continuar a passear por ele, pois não pretendo eliminá-lo; por outro lado, tampouco pretendo continuá-lo. Portanto, adeus.

Quem sabe um dia nos vejamos novamente.

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(nota do autor: não, ainda não acabou. Tem mais.)

27.7.07

Heitor - III

Agora penso que foi logo nesta altura que alguma coisa começou a dar errado com meu plano.

Tinha meu narrador-protagonista prontinho, mas achei meus primeiros textos com eles fracos e tediosos. Cheguei à conclusão de que a falta de conflito o tornara enfadonho - o que era ótimo, já que parte do objetivo - e de que uma boa estória precisa de conflito; no caso, uma estória de fracasso e sofrimento precisaria de conflitos para serem perdidos. Dizendo de outra forma, não bastava que Heitor começasse já derrotado sem nunca tentar, era preciso que ele tentasse e fracassasse, não de qualquer jeito, mas absolutamente, que tentasse com o mais perfeito otimismo e falhasse tragicamente - idéia que era, de partida, totalmente contrária à idéia inicial, o fracasso do jamais tentado: o fracasso que me justificasse.

Mas é o que dizem dos personagens, que lá pelas tantas parecem ganhar vida e tomar as rédeas da própria estória, quase como se nos puxassem a caneta pelo papel, os dedos pelo teclado. Antes que me desse conta, pus Heitor no caminho da tentativa: após 2 reprovações, toca a fazer prova para a OAB de novo; após anos exercendo uma profissão sem gosto, dei-lhe esperança com um ligeiro gosto pela pesquisa acadêmica; após anos de solidão auto-imposta, fi-lo deixar de frescura e correr atrás de mulher. Diabos, dei-lhe até uma atividade esportiva!

Ah, sim, também gosto desta parte, ou gostava: Heitor, de Tróia, não era um guerreiro? Decidi que meu falso cabeça-fria teria uma permanente atração pelas artes marciais que, longe de torná-lo um atleta, apenas o frustrariam mais um grande bocado. Fi-lo pipocar de uma a outra ao longo da vida - judô, taekwondo, karatê - e então desistir. Mas, como a idéia agora era tentar de novo, tentei encontrar uma nova brincadeira para ele, o que aconteceu quando assisti a um a demonstração de kendô em um seminário (ruim) sobre cultura e religião nipônica em São Paulo.

Kendô, se você não sabe, significa o "caminho da espada", que é o jeito firulento de se dizer "esgrima" no Japão, e é aquele esporte em que sujeitos de saiote vestem uma armadura feia, ficam gritando feito idiotas e batendo varetas de bambu nas cabeças uns dos outros. E "caminho" porque teoricamente aquilo não é nem uma luta nem um esporte, e sim uma "filosofia" praticada no dia-a-dia; ou seja, é a tentativa de metaforizar os gestos da luta para a vida, o que acaba resultando na moral "bata primeiro, pense depois" e numa série de postulados estilo mestre Yoda que mais parecem saídos de "Quem roubou o meu queijo?". Mas não me entenda mal, se você visse a apresentação ia sentir como se tivesse presenciado uma cena de filme de samurai ao vivo e querer entrar na academia no dia seguinte de manhã - bom, ao menos eu e meu personagem nos sentimos assim, logo, matriculei-o.

Dei uma outra olhada em meu personagem. Fizera-o tentar novamente, e lá estava ele: cheio de novos calos mas sem saiote ou armadura; ainda preso ao escritório todos os dias; apesar do cursinho, novamente reprovado na OAB; fora da seleção do mestrado, que julgara poder ser uma alternativa profissional; e ainda só. Estava orgulhoso de minha criação, mas não satisfeito - principalmente porque, sempre que relia seus (meus?) textos, sentia nele agora um otimismo que me era estranho.

Disse a mim mesmo que não iria lhe dar mais chances, e sim prepará-lo para uma queda maior, mas olhando em retrospecto penso que ele e sua estória é que já me fugiam ao controle. Achei que ele devia ter a chance de tentar outra opção profissional, então deixei-o passar em uma outra seletiva de mestrado (o que deu uma boa estória em si); que não ia mesmo advogar, portanto que pegasse a carteira, resultando num recurso à prova, substancial aumento de nota e aprovação; e até que lutasse de saiote e armadura - ao que respondi com uma conjuntivite poderosa, pois doenças nos olhos são um grande medo pessoal meu.

Mas quando ele arrumou algo próximo de uma namorada percebi que estava indo longe demais e decidi tomar controle da situação: dei-lhe um pé na bunda, uma enxurrada de trabalhos e críticas, e um avô hospitalizado. Por um tempo deu certo, e ele pareceu mais normal...

Mas a essa altura, quem não estava mais normal era eu mesmo.

26.7.07

Heitor - II

Nome escolhido, fiz um mínimo para prosseguir a partir de 2004. Tendo sido bom aluno na escola, pensei que teria ingressado cedo na universidade, e estaria portanto formado; como porém o curso a bem dizer muito pouco lhe apetecia, nele em nada destacou-se, nisso sofrendo criador e criatura do mesmo mal: saberem estudar apenas e sempre por prazer, mesmo quando com disciplina. Mas nisto não quis Heitor exatamente como eu, então cortei-lhe um dedinho de metodismo, pensando que isto em muito o desfavoreceria, ao que imediatamente acrescentei conseqüência - era formado, sim, bacharel em Direito, também, mas não advogado, não ainda. Havia uma prova para ingressar na OAB, disto eu sabia, e uma cuja taxa de reprovação era alta; então, reprovei-o. Duas vezes. Já tinha então parte da minha resposta para "o que tem feito Heitor desde a formatura?".

Devia haver mais quanto a isto, decidi; mais por trás deste conflito com o Direito. Lembrei de meu pai, que tanto me queria promotor como ele, ou mesmo juiz ou algo do gênero, e tentei pensar no que teria sido de mim se tentasse seguir um caminho criado por outros; achei, por outro lado, porém, que a semelhança seria exagerada. Ao invés do pai promotor, fiz do avô, juiz; já o pai, havia decidido por sua morte prematura, e isto apenas ressaltou tal convicção. A vida estava sendo boa demais para Heitor, boa o bastante para começar a parecer pouco convincente, algo que a tragédia simples e repentina ajudaria a retificar; morre o pai aos seus 17, pouco antes do vestibular, daí em diante seria uma sutil ladeira abaixo. A família não faz pressão, mas ele é ingênuo o bastante para crer que gostará de algo que não lhe parece muito divertido, ou, mais importante, que isto pouco importa, já que está destinado a ser um grande escritor, independente da faculdade que curse.

Mas nada queria com este Heitor sonhador e tolo, e sim com sua versão já levemente frustrada. E ao fim dos 5 anos de faculdade, 4 deles como estagiário, 3 destes com o avô, pensei tê-lo deixado mais ou menos no ponto. Ele detesta o que faz a maior parte do seu dia, detesta as pessoas com quem lida, sejam elas ou não da família, detesta de maneira geral o mundo que o rodeia. Não vê propósito ou motivo para fazer qualquer coisa que seja, portanto gasta seu tempo com besteiras em frente ao computador, entre jogos, blogs, filmes.

É claro, o mais importante não era nada disto, e sim que Heitor fosse só, muito só. Não obviamente só: com família acolhedora, amigos muito próximos... e só. É lugar-comum dizer que a solidão é tamanha subjetividade, pode-se estar "sozinho numa multidão" e blá blá blá, mas permita-me acrescentar meu quinhão reciclado de filosofia barata a esta especulação. Diz-se que algo está perdido quando não está em seu lugar, logo só pode perder-se se houver lugar em que ele supostamente deva estar; que coisa, e qual o lugar dela, são campos a ser preenchidos de diversas formas. Para a solidão vale o mesmo, só que um pouco trocado ou mais específico: como se uma pessoa ou tipo de pessoa estivesse perdido de você, e você fosse o lugar que ela devesse achar, mas não acha.

Os solitários são todos uns egoístas. Especialmente os introvertidos - estes não valem um tostão. Também já foi dito que os introvertidos têm o jeito mais egocêntrico de chamar a atenção, isto é, simplesmente indo para um canto e acreditando serem tão bons e especiais que apenas isto baste; mas novamente um acréscimo: enquanto tentar a todo custo chamar a atenção não é sinal de atitude e, sim, de insegurança (como o clássico do moleque brigão que é maltratado em casa), a maneira solitária de chamar atenção caracteriza pessoas vigorosa, absoluta e estupidamente cheias de si.

Se estás aí a pensar que falo de mim, então minha brincadeira já está dando resultados. Ora, direi novamente, é possível não falar de si? Usar o português não é falar de si? Falar sobre o mundo que você conhece, e não se pode falar de outro, não é falar de si? Enfim. Mas estou falando de Heitor, e pense lá o que quiser sobre o que isto significa, criei-o de tal forma que viesse a se sentir só, não porque o fosse ou porque não recebesse atenção alguma, e sim porque não o era da forma que julgava merecer, das pessoas ou do tipo de pessoas de quem queria chamar atenção, que no caso era um só tipo, e um tipo de mulher.

Orgulho-me um pouco disto, sabem? Acho que a coisa toda funcionou mesmo porque, a partir do momento em que usei o nome, decidi usar um pouco como base também. Não é a característica marcante de Heitor, filho de Príamo, amar profundamente sua mulher (e ser por ela amado), ao contrário dos gregos que, como Aquiles, e aí novamente são opostos perfeitos, buscavam para o amor outros homens, para o prazer descomprometido, escravas, e deixavam às esposas o trabalho do parto legítimo? Meu Heitor seria assim, sem uma Andrômaca - mas achando que merecia uma.

Fui até generoso: dei-lhe um namoro aos 16 anos de idade e seu quinhão de casinhos; mas dei também ambição e pretensão muito maiores, e ao fim de 2004, ao começar minha história, o encontrei absolutamente frustrado e desesperançoso. A maldição parecia redondinha, perfeita: querer sempre alguém que se sabe não corresponder é a maneira mais segura de permanecer sozinho, permanecer sozinho é a maneira mais segura de não se decepcionar, não se decepcionar é a melhor maneira de continuar se achando o último copo d'água do deserto. Quase como o coiote correndo atrás do pápa-léguas, que só pode mesmo querer passar fome.

19.6.07

Heitor - I

Poder-se-ia dizer muito dos motivos que têm me mantido mais e mais afastado deste blog, e que também são muitos. O mais certo seria culpar o trabalho - só que ultimamente ando achando difícil culpar o trabalho por qualquer coisa... é um palavreado que nos habituamos a usar para nos queixarmos da atividade tediosa que trocamos por dinheiro e nos impede de realizar todas as outras coisas, estas sim, interessantes. E se temos um minuto de folga, corremos para o blog. Ou eu, no caso, aproveitava palestras, seminários de alunos e provas das quais tinha de "tomar conta" para rascunhar tolices em folhas rasgadas de caderno, que eu pouco revisava ao passar correndo para o blog. Também uma fuga de um destino cruel, de uma rotina medíocre e enfadonha...

As coisas mudam, mudaram. Possivelmente porque neste exato momento tenho retornado à pesquisa e me distanciado um pouco das aulas, e já vinha pegando menos delas antes - é uma coisa terrível que se obrigue um pesquisador a professorar, penso; a bem dizer, acho que nunca fui muito bom nesta última. Não desgosto, mas... Enfim, tenho, diabos, sempre tive, um trabalho estimulante, interessante, intrigante, e que julgo importante. A rigor, gosto bastante do que faço e sou até conhecido por isto, como costumo ser até nos piores momentos da vida. Que por um período eu tenha fugido disto, esta é a exceção; esta é a estranheza que não sei explicar. Mas tentarei fazê-lo, com esta historinha.

Penso não ser do conhecimento de todos que tenho um "projeto paralelo" a meus escritos neste blog; uma ficção em primeira pessoa de intenções pouco altruístas que tenho guardada em um .doc bem escondido e uma ou outra folha de caderno - lembrete aos que me acusem de escrever por sucesso: meus maiores esforços ficam reservados a mim mesmo.

A idéia nasceu do mesmo período de frustração que gerou este blog, bem como a explosão de posts que o inaugurou, e tinha algo daquela noção batida de sermos algozes de nós mesmos e de como, no âmago de cada ser humano, podemos encontrar as linhas gerais de seu próprio descompasso, a contradição capaz de levá-lo à desgraça. E como a princípio pensava em incorporar esta idéia ao blog, ela teve seus espasmos de vida aqui; em especial diálogos meus em alguns posts e, claro, na criação do usuário-administrador, encarregado da maioria dos posts, das respostas aos comentários...

A idéia? Coisas que nascem da frustração: autocomiseração, autojustificação, e uma pitada de vingancinha mesquinha. Eu pensei, fiz tudo que pude para tentar levar a vida que queria; fiz tudo que pude e sinto-me absolutamente infeliz e insatisfeito - e medíocre. Se aconteceu comigo, deve acontecer com mais alguém, e se não aconteceu, farei com que aconteça e demonstrarei como é possível e compreensível. Criarei esta criaturinha, com apenas o mínimo de problemas suficiente para torná-la crível, mais que compensados por um sem número de privilégios e mimos, semelhante à minha ao ponto que ninguém possa deixar de perceber a semelhança...

... e então a esmagarei e partirei em pedacinhos. Farei com que o mundo destrua seus sonhos, frustre seus planos e com que ele passe o resto de sua vida fictícia lamentando-se sozinho e se queixando.

Parecia bom. Se não boa literatura, bom o bastante para aquietar meu coração queixoso, soltando suas raivas em palavras e justificando minha infelicidade por um experimento controlado. Fui ao trabalho.

Comecei do começo. A semelhança principiou pelo local da trama, Rio de Janeiro, Brasil, e seguiu com um protagonista do mesmo estrato social, crescido (ainda que não nascido) na mesma região (zona sul) e meio, com diversos traços de personalidade em comum: o tipo pouco atlético, leitor voraz com uma queda pelos clássicos, mais cheio de si do que talentoso, dotado do mesmo tipo de romantismo alienante e obcecado que é receita certa para a solidão; e, mais importante, com a mesma tendência à frustração e à depressão. Já as diferenças, escolhi-as cheio de segundas intenções: menos idade (para acompanhar por inteiro toda a trajetória decrescente), um temperamento mais instável (para torná-lo indisciplinado e levá-lo a cometer deslizes injustificáveis), uma orientação profissional absolutamente incondizente com sua ambição pessoal (direito - alguém já parou pra contar quantos escritores amadores, pintores, atores, desenhistas, etc. tornam-se advogados frustrados? Seria um longo tempo parado).

Um nome. Voltei às inspirações homéricas, mas nada de coadjuvantes com nomes repetidos e mortes rápidas, como acabou sendo comigo: já que podia escolher, então escolheria um dos grandes. Pensei nos gregos primeiro mais por reflexo: Agamenon tem um final trágico, mas é um nome horrível; por Odisseu, ou Ulisses, nunca nutri muita simpatia, e como se não bastasse ele é um dos poucos para quem tudo, ao final, dava certo; Diomedes até era intessante, por toda sua querela com Afrodite, especialmente para quem queria um personagem com desventuras afetivas, mas de alguma forma não parecia o bastante; já Ajax simplesmente não parecia o nome de alguém com a personalidade que eu queria, embora haja inúmeros elementos interessante em sua tragédia: a inabilidade de conquistar para si o que julgava merecer, o equipamento de um vencedor - a armadura de Aquiles -, que leva-o a usar o que já merecidamente conquistara de um derrotado para matar-se - a espada de Heitor.

Heitor... Sim, eu estivera olhando para o lado errado do campo de batalha. Se quero um protagonista sofredor, um derrotado, porque o procuro entre os vencedores? E se vou escolher o nome de um dos troianos, então que seja mesmo ele, e não o sortudo Enéias, que escapa com vida e torna-se líder do que resta de seu povo, ou mesmo um menos lembrado como Glauco, morto por Ajax - e deus me livre de Páris, o mulherengo irresponsável. Muito mais interessante é o responsável, ponderado e humilde Heitor, que morre pelas besteiras de seu irmão; o talentoso e justo príncipe de um reino próspero que não queria nada mais do que aproveitar a vida ao lado de sua mulher e filho, mas está fadada sua cidade a cair, sua mulher a ser tomada por outro, seu filho atirado para a morte, e ele mesmo a ser cruelmente morto pelo orgulhoso Aquiles, de tantas formas seu oposto.

Parecia bom.

24.5.07

Canto III

Pra comemorar meu tempo livre, vou voltar a gastá-lo nesta besteira.

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Canto III - Juramento, Muralhas da Observação e o Combate Singular de Alexandre e Menelau

Os exércitos gregos e troianos avançam para se encontrar no campo de batalha. Páris começa a se engraçar.

PÁRIS: Ih, lado A, lado B, rapá, o bicho vai pegar. Ah, muleque!
HEITOR: Ai, saco...
PÁRIS: Aí, mano, diz uma coisa. Quem é esse tal de Alexandre aí do título?
HEITOR: É você, seu anormal!
PÁRIS: Ah, é, esqueci que também tinha esse nome.
HEITOR: Eu devo ter jogado pedra no Olimpo...
PÁRIS: Aí seus grego otário! Otário!
HEITOR: Caralho, começou...
PÁRIS: Bando de viadinho, comeninguém!

Menelau avista Páris e fica loco de raiva.

MENELAU: Agora eu te pego filho da puta!

Vai até Páris.

MENELAU: Pára de andar atrás da minha mulher. Que senão... eu dou-lhe um tiro! Eu sei que não dá mais pra mim, mas... eu faço todo o possível. E também estou cansado de sair na rua ouvir certas conversas como: lá vai o grande chifrudo.
PÁRIS: Chifrudo? Eu soube exatamente o contrário, nada disso. Eu soube que... hm... soube que o senhor estava. Tava dando o negócio pros outro aí, pô.
MENELAU: Além de ser folgado você é um grande filho da puta - retire-se.
PÁRIS: Primeiramente eu não aceito ordens de bicha, entendeu?
MENELAU: Olha aqui seu frangote, eu sou velho... e se você não se retirar daqui a 5 minutos, eu vou enfiar isso na sua bunda.
PÁRIS: Aaaah, que é isso, rapá. Tá pensando que eu tenho a sua mania? Eu sou é homem, rapaz! Por que você não aproveita e enfia isso em você mesmo?
MENELAU: Ahahahaha. Cê quer mesmo? Num dá jeito! Só, mas pra você ter uma idéia, só um instante, vamos ver se você é macho pra isso. Anda, venha logo.

Menelau joga a espada pra Páris.

PÁRIS: ôu!

Deixa a espada cair.

MENELAU: Se cortou? Toma o meu lencinho!
PÁRIS: Hmmm... quanta gentileza! Já tá botando as manguinhas de fora, hã?
MENELAU: É... ehe.
PÁRIS: Eu deixei cair uma coisa de grande utilidade!
MENELAU: Você tem razão. Essa espada já me deu... muuuita alegria. Mas ainda não tenho o jeito... mas pego algum dia.
PÁRIS: Se você tivesse a minha experiência...
MENELAU: Por que que você não falou antes?
PÁRIS: Eu fui obrigado a fazer cú dôce, entendeu? E eu não gosto de falar as coisas abertamente, assim, pra todo mundo, assim, me confessar o que eu sou realmente. Eu só lhe falei porque você. Você é igual a mim, sabe? É uma coisa que aconteceu comigo... quando eu era criança.
MENELAU: Eu guardarei o seu segredo. Bichinha.
PÁRIS: Ok, bichona.

Páris volta pra junto dos troianos.

HEITOR: Porra, Páris, deixa de viadagem. Você tem que parar de frescura e enfrentar logo o Menelau pra gente voltar pra casa pra jogar unieléve.
PÁRIS: Ah, mano!
HEITOR: Tá com medo? Você é um covárrde, Le Roy, um covárrde!
PÁRIS: Tá bom, eu vou mas... me dá uns buff antes?
HEITOR: Que mané buff, o quê.

Heitor vai até os gregos.

HEITOR: Aê, bora resolver tudo num x1, Páris e Menelau. Perdeu um, perdeu o resto. Q Q 6 ACHÃO?
AGAMÉMNONE: Fmz.
NESTOR: Eh noix.

Páris invites you to a duel.
Menelau accepts your duel.

Nisso Íris vai chamar Helena pra ver a peleja.

ÍRIS: Vai lá, mulé, os homi tão brigando pra ficar com tu!

Lá em cima, Príamo e uma cambada sentam na arquibancada pra ver a luta.

PRÍAMO: Minha filha vem cá! Assiste aqui no camarote com o sogrinho... e me explica quem é quem, que eu não enxergo nada sem meus óculos. Quem é aquele coroa ali?
HELENA: /whois Agamémnone

Agamémnone Human Warrior lvl 70


PRÍAMO: E aquele com jeito mais moleque?
HELENA: /whois Odisseu

Odisseu Human Fiadaputa lvl 70
<Ítaca>

PRÍAMO: E quem é aquele outro grandalhão?
HELENA: /whois Ajaz 1

sua mãe trepando seu fiadaputa!

PRÍAMO: Mas que grosseria!

Para de enrolar, seu véio, e deixa eu continuar a estória!

PRÍAMO: Tá bão...

Príamo vai de carroagem firmar o pacto solene com os gregos.

PRÍAMO: É pacto de cuspe?
AGAMÉMNONE: É o que for.
PRÍAMO: Então toca aqui. Quem ganhar, ganha, quem perder, perde.
ODISSEU: O véio tá gagá...
PRÍAMO: E se alguém quebrar o juramento, que seus miolos estourem e caiam no chão.

Acreditem, esse juramento eu não inventei!

Odisseu e Heitor medem o campo de batalha.

ODISSEU: Pena que ainda não inventaram aquele sprayzinho pra marcar a grama do campo.
HEITOR: Que grama? Aqui só tem terra dura!
PRÍAMO: Fui.
AGAMÉMNONE: Ué, tu não vai ver a luta?
PRÍAMO: Luta? Esses dois frangotes? Prefiro jogar damas.

Príamo volta pra Tróia. Os duelistas vestem as armaduras, os elmos, as sombrancelhas e passam um batonzinho pra dar mais charme.

HEITOR: Chega dessa enrolação!

ROUND... ONE... FIGHT!

MENELAU: ABUGUEM!!
PÁRIS: ÚLURÚRULÚ!
ODISSEU: Argh, ele tá dando os pulinhos do Vega!
HEITOR: Fala grosso, porra!
MENELAU:
Meu santo Zeusinho padre Cícero, por favor me ajuda a matar esse filho da puta!

Atira a lança.

PÁRIS: Pei! Morri.
MENELAU:ÉÉÉÉ!!
PÁRIS: Brinks, tô vivão.
MENELAU: Filho da! Agora tu vai ver!

Menelau acerta em cheio a espada na cabeça dele, mas ela quebra.

MENELAU: Ah, tá de sacanagem!!!

Afrodite intervém e enche tudo com névoa.

MENELAU: Ei, quem soltou a lag grenade?

Afrodite leva Páris de volta ao palácio de Tróia. Vai falar com Helena.

AFRODITE: Helena, meu bem, teu homi voltou!
HELENA: Deixa de caô, sua sirigaita.
AFRODITE: Caô nada e cala essa boca antes que eu quebre isso que você chama de cara.

Helena vai ver Páris.

HELENA: Não acredito! Seu covarde, seu rato, seu, seu.
PÁRIS: Mimimi, mimimi - calaboca logo e vamo pro quarto que eu tô a fim de dá uma trepada.

Sobem pro quarto. Enquanto isso, no campo de batalha.

AGAMÉMNONE: Absurdo! Exigimos vitória por WO!

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Continua... eu acho.

18.4.07

Estranho, porra...

Pra integrar a série “traumas de mestrado”.

Dizem que se você fica muito com uma coisa na cabeça, ela acaba aparecendo no seu sonho. Pois depois de passar as duas últimas semanas basicamente só cultivando dor de cabeça por conta dessa coisa de teoria da alienação (ou seria estranhamento?), sem resolver direito o que é a tradução de quê pra quem... batata, Marx me aparece no sonho. De barbão e tudo, mas falando o mais perfeito carioquês. No bar.

- Não sei que cês fica dando tanta bola para esse monte de merda que eu escrevi quando era moleque.
- Porra, Marx, cara, fala sério, pelamordedeus, tu tem que me explicar essas merda, afinal de contas, qual é a diferença entre alienação e estranhamento, que que é um, que que é outro, que que é entäusserung, qual é entfremdung?
- Heitor, meu filho, olha só, vou te explicar dum jeito que tu entenda. Ô, Engels, traz mais uma!
- Diz aí, diz aí.
- Olha, imagina que tu tem uma namorada, tá certo. Aí ela te larga, manda você embora porque tu é um canalha nojento, ou não dá atenção a ela, ou brochou, tá certo?
- Certo nada, caralho!
- Calma, rapá, é hipotético. Bom, a mulher te externou, te botou pra correr, expulsou de casa: entäusserung. Pegou?
- Hm...
- E agora, o entfremdung, é quando a mulher já tá com outro, depois de ter sido externada, ela foi apropriada por outro, e agora é um ente estranho, alheio a você, sacou?
- Mas e o aufhebung, como é o aufhebung?
- O aufhebung. O aufhebung é a superação, entendeu, a transição, a evolução pra outro nível.
- Virou hippie, Karl?
- Calaboca e volta pra tua cachaça, Proudhon! Mas é isso, imagina que você tá com aquela vadia que só tá atrás do teu dinheiro, dá pra Deus e o mundo, e aí você manda um “estanca, piranha!” e parte pra outra! Isso é aufhebung! Entendeu?
- Num sei, acho que não...
- Porra!

Aí não sei bem o que aconteceu, momento seguinte estamos jogando Marvel x Street no fliper da Prado Júnior, e eu só lembro que o István Mészáros apareceu e me tirou da máquina com aquele combo roubado do homem-aranha, eu fico puto:

- Que filha da puta apelão safado, como é que esse véio escroto aprendeu a jogar assim?!
- Escroto eu posso ser... agora véio não! Agora eu vô embalangá minha capa... e vou fritar ocê!
- Coé véio, tu tá meio... tá meio estranho.
- Estranho entfremdung ou entäusserung?
- Aaaargh!!!

Aí não sei que aconteceu que estávamos na rua, indo sei lá pra onde, o Marx pára tudo vira-se pra mim e diz:

- Pronto, é isso, quando o Mészáros te ganhou, ele te expulsou, te externou da máquina, isso é o entäusserung. Depois a máquina passou a ser dele, ficou estranha a você, entfremdung! Entendeu agora?
- Ah! Agora entendi!
- ... Putaquepariu, mas tu é muito nerd mesmo, eu tô aqui há meia dúzia de hora te explicando com exemplo de mulher e tu nada, é só aparecer um fliperaminha que tu já tá sabendo de tudo! Porra tu é muito bucha mermo!
- Pô, cara, que é isso, eu até tenho namorada...
- É, namorada? Pois parece que tem uns 10 anos que tu não vê uma buceta!
- Mas que é isso, você.
- Seu merda!
- Eu tô falando... você é maneira de você falar, você é membro do partido comunista, é?
- Sou, claro!
- Mas num parece, tô te fazendo uma dissertação, você...
- Fala grosso, porra! Caralho.

Nessa altura, Marx citando o trote da Telerj deve ter ativado algum botão de “acorda” na minha cabeça. Se serve de consolo, acho que pelo menos as metáforas são válidas...