22.11.05

Sou Eu Mesmo

Eu poderia gastar uma quantidade razoável de palavras agora, sobre como quando decidi postar em um blog, objetivava versar sobre outras coisas que não minha própria vida medíocre, como fazem a maioria das pessoas (e talvez também gastasse ainda mais palavras versando sobre como é impossível não falar da própria vida medíocre, e no fundo ao falar de outras coisas estou apenas me expondo de maneira pretensamente diferente, etc.). Nunca achei que fosse, novamente, por-me a público da maneira que estou prestes a por. Mas, assim como tenho por hábito enrolar muito, também o tenho de condenar aquilo que fiz ou virei a fazer um dia (ou não seria isso um dom humano genérico?). É o que Carla vive dizendo, pelo menos.

Ah, sim, Carla. Já chego lá.

Então talvez você esteja no momento se perguntando, leitor, porque passei mais tempo que o normal distante deste blogue (embora eu não saiba bem o que seria o normal, no caso), ou ainda porque, em meus breves momentos de regresso, tenha resolvido apenas citar ou tergiversar sobre Sandman. É que, e eis aí outra destas coisas que também achei que não viesse voltar nunca a escrever ou dizer... bem.

Estou apaixonado.

Digo, mesmo, de verdade, como não me apaixonava desde a adolescência. Pra dizer a verdade, de certa forma, como nunca me apaixonei. Consigo dizer isso agora. Acho que preciso dizer: tenho certeza de que nunca me apaixonei da maneira como estou apaixonado agora, e é por isso que estou escrevendo.

"Mas havia dias em que, ao chegar em casa, encontrava-me em tal estado, que a felicidade de estar apaixonado junto com a agonia da impotência diante do fato tinham de sair de mim de alguma forma."

Auto-citação... é o cúmulo, mas funciona. É assim que me sinto agora.

Tem só três semanas - minto, menos. Faz 17 dias hoje. Eu mal consigo acreditar que seja tão pouco, mas é. Foi quando fui apanhar o exemplar de "Casa de Bonecas" com ela.

Eu já a conhecia: Carla foi minha aluna em uma matéria extra no Doutorado, coisa de um ano atrás. Achei-a bonita, e só - à época, como tem sido há muito tempo, estava com outra(s) moças; e absolutamente, miseravelmente só e estranhamente desejoso de permanecer assim. Agora somos colegas na licensiatura. E tanto então como agora, nunca pude deixar de me entreter com suas estranhas escolhas de rumo profissional, visto que ela, que é formada em física, resolveu faz pouco mergulhar de cabeça no historicismo. Nem queiram saber sua matéria na faculdade de educação.

Nos reencontramos no início do semestre. Eu tinha superado minha fase "crise do XI cântico" e estava muito feliz em basicamente ser gentil com todo mundo, o que é uma raridade, vindo a jogar conversa fora a troco de nada. Ela tirou proveit0: o mais fácil mesmo ainda é jogar conversa fora com uma moça bonita e inteligente. Muito espertamente deixamos gancho para repetir a coisa; Sandman tendo sido mencionado, ela usou este específico. Deixou uma nota na minha sala, marcando de me entregar o 2° volume, já que eu só tinha lido o primeiro, e ela tinha certeza de que eu adoraria o resto. Então...

Aconteceu. Tenho respeito mínimo ao que deverá restar de minha privacidade, e não vou dizer exatamente como. Talvez porque eu também não entenda direito. Mas aconteceu: abri os olhos e estávamos nos beijando. E ela perguntou:

- Você está rindo?

E eu estava sorrindo, sorrindo enquanto a beijava.

- Que bonitinho.

E então ela sorriu. Outro colega disse-me há poucos dias que Carla costuma vender o seu sorriso caro - logo, eu devo estar milionário, porque vejo-a sorrindo mais do que de qualquer outra forma. Talvez ela dissesse que, comigo, é outra pessoa - eu certamente diria que a recíproca é verdadeira.

Li "A Casa de Bonecas" antes de dormir, naquele dia, e pouco depois de acordar, pedi a ela que levasse todo o resto para o trabalho.

- Todos os oito TPBs?!
- Todos.
- Tentando me impressionar, Pisandro?

Ela me chama de Pisandro. É a terceira pessoa no mundo a fazer isso. Deixei escapar que tinha sido meu apelido na conversa do dia anterior, ela cismou. Ainda estou tentando descobrir um apelido pra ela.

Li tudo em dois dias.

Estou morto de sono, não tenho dormido direito. Talvez esteja estranhando o colchão alheio - não tenho dormido sempre aqui em casa. Aliás, minto: tenho dormido muito pouco aqui em casa. É uma maluquice, nem 3 semanas, e a bem dizer já não sei se o que estranho é mesmo o colchão dela, o meu, a ausência do cheiro do cabelo dela quando estou só, ou o bater irritante do meu coração a todo momento, meu estômago embrulhado. Meu estômago sempre pagou por meus amores, e nos últimos anos esteve achando que teria sossego, imagino. É ele quem insiste em avisar que eu estou fadado a me foder todo.

É engraçado, estou dizendo isso feliz da vida: não tem jeito, morto de amores do jeito que estou, não tem como eu não me foder; e não me importo, não ligo, não estou nem aí. Antes quebrar a cara do que... bem, não quebrar.

"- Duvido que eu tenha mudado tanto.
- Como quiser, meu irmão."

Mas mudei. Nós freqüentemente usamos a palavra "sempre" ao falar de personalidade, o que é paradoxal. Dizemos: fulano é sempre o mais teimoso, está sempre meio apaixonado, é sempre muito frio. Mas amanhã eles ficarão flexíveis, calculistas ou inconseqüentes, e ainda assim os chamaremos pelo mesmo nome e diremos que são eles mesmos.

... Preciso dormir.