13.10.05

Chimerae - 2

Ele vestia azul, e seus cabelos enrolavam-se à frente de seus olhos claros como o céu, e sorria um sorriso despretensioso, como quem ri de uma criança tropeçando enquanto aprende a andar.

“Quem és tu?” indagou-lhe Valina, espada em riste.
“Sou o senhor da torre. Não me chamaste?” riu-se ele, na resposta. Não portava nenhuma arma, nem tinha, aparentemente, nenhum medo.
“Chamei.”
“Pois agora me diz teu nome e o que tencionas em meu lar, viajante.”
“Meu nome já disseste, e nada quero com teu lar, mas com o monstro que, me foi dito, encontraria aqui.”
“Ah, certamente que não o disseram, pois aqui não se encontra nenhum monstro, Valina, nem eu permitiria que um aqui vivesse.”
“E como devo chamar-te, senhor da torre?”
“Chama-me de Thelkterion, e aceita minha hospitalidade, que já é noite lá fora, e certamente andaste muito para chegar aqui.”

Ela aceitou, hesitante a princípio, e adentrou a torre de paredes prateadas onde, guiada por seu anfitrião, conheceu maravilhas que jamais pensaria existirem. Viu animais multi-coloridos, pintados e listrados, alguns tão grandes quanto uma casa, outros que falavam na língua dos homens. Em um andar, podia caminhar pelos ares como se nadasse em um grande lago; em outro, subir pelas paredes como uma aranha. Num quarto, era rodeada por estrelas, e em outro, pelo brilho do sol, e o chão era como a areia úmida da praia. Havia uma biblioteca de livros que se escreviam sozinhos, multiplicando-se ao infinito, revezando em prateleiras que eram sempre limpas como novas.

E Thelkterion, por sua vez, era quase tão inusitado e incrível quanto sua residência. Ele podia fazer fogo, água e gelo com as mãos, e a seu chamado, atendiam todas as aves da noite, ao lado dos quais podia voar como se caminhasse pelos céus. Podia fazê-la pensar que estava onde não estava, que via o que não via, e podia soar como qualquer pessoa, animal ou besta que ela conhecesse; e conhecia o nome secreto de mil homens e lugares, e tinha guardado em frascos a brisa do mar, o sopro gelado das montanhas do norte e a tempestade do deserto. Percebendo como ele sabia muito sobre tudo que habitava a terra de Heshna, Valina decidiu perguntá-lo sobre o alvo de sua caçada.

“Apenas uma lenda, que eu saiba”, respondeu-lhe Thelkterion, “mas lendas dizem muito.”
“E o que elas dizem sobre este monstro?”
“Há um poema, que diz que não havia quimeras no mundo, pois elas não têm lar nem época. Até o dia em que surgiram, e então surgiram em todos os lugares e todos os tempos, e por isso nenhum mortal pode encontrá-las.”
“Pensei que houvesse apenas um destes monstros.”
“Como disse, não acho que haja nenhum. Mas havia um povo que dizia que a verdade é uma só, e as mentiras são muitas.”
“Parece-me muito sábio.”
“Parece-me uma tolice.”
“É que tu gostas dos muitos lugares e dos muitos truques. E gostas de nomes longos como os teus, porque és como todos os homens.”
“E tu dar-me-ia um nome curto, como fazem as mulheres?”
“Se deixares, chamo-te, de agora em diante, Kterion.”

Ele sorriu um sorriso dúbio ao ouvir isto, e ela entendeu que já o haviam chamado por tal nome uma vez.

“Se deixares.”, ela repetiu.
“Deixo.”, ele respondeu.

E, como é natural às jovens, quando encontram com alguém belo e trocam com ele belas palavras e momentos, ela entregou-se a ele naquela noite, e dormiu o mais agradável dos sonos em sua cama, com a colcha adornada por estrelas reluzentes.

Despertou no fim da manhã, enquanto Thelkterion ainda dormia, vestiu sua armadura, apanhou suas armas, e já se punha na direção da porta, quando ele, despertando, a chamou:

“Vais aonde, viajante, tão cedo? Não te agradas da minha cama e minha companhia?”
“Tu, tua cama e tua casa em tudo me agradam. Mas sou o que sou, e vim aqui caçar uma besta, não usufruir de tua companhia.”
“Fica aqui mais um pouco! Não há nenhuma besta lá fora, e há pães, vinhos e carnes para nosso desjejum, de que certamente nunca ouviste falar, e uma varanda da qual poderemos ver o sol se pondo, e um vidro de água na qual nadaremos como se estivéssemos no oceano. Fica!”
“Não.”
“Então ao menos volta, mais tarde, quando desistires de procurar lá fora aquilo que não está lá nem podes encontrar!”
“Está bem, então: se, ao final do dia nada tiver encontrado, voltarei.”

Assim fez: o restante do dia investigou a caverna, que era muito maior do que parecia, e todas suas paredes, rochas e passagens, mas nada encontrou; e ao final do dia retornou à torre, cuja porta estava para ela, agora, aberta. Mas quando adentrou o quarto onde havia deixado Thelkterion mais cedo, deitado sobre sua cama encontrou apenas um cabrito.

“Sai desta cama, animal”, gritou Valina com ele, e tentou afugentá-lo com sua espada, mas ele não saiu, e, para sua surpresa, retrucou.
“Porque sairia? Esta é minha cama.”
“Esta cama é de Kterion.”
“Eu sou Kterion.”

Ela abaixou a arma, entendendo que era verdade.

“Por que não ficaste aqui e cuidaste de mim?”, baliu a criatura. “Esta torre sem ti é vazia e sem encanto, e agora, sozinho, não consigo nem ao menos deixar este quarto ou encontrar os lugares onde guardo minha comida.”
“Talvez,” principiou ela em resposta, apiedando-se dele, “talvez tenhas razão. Talvez eu deva cuidar de ti.” Porém então a piedade sumiu-lhe do peito, por ser ele tão fraco e suplicante, e ela prosseguiu com veemência: “Mas talvez tu também devesse ter me ajudado a descer e procurar o monstro, tu que caminhas no ar e faz fogo com as mãos, tu que sabes o nome de mil criaturas e guarda frascos de brisa. Se tu tivesses me ajudado, certamente eu teria encontrado minha presa sem correr nenhum risco, se tu também cuidasses de mim!”
“Talvez tenhas razão”, o bode sussurrou. “Perdoa-me, deixa-me cuidar de ti, deita-te de novo aqui comigo!”

E ela deitou-se, e novamente dormiu com Thelkterion debaixo da colcha adornada por estrelas reluzentes, embora ele fosse um bode; e assim que o fez ele retornou à sua forma de homem, e tiveram ambos um sono agradável.

Quando despertou, porém, Valina não encontrou ninguém a seu lado na cama, e descendo as escadas, próximo ao portão aberto, avistou um leão.

“Alto, quem és?”, ameaçou-o, sacando a espada.
“Sou Thelkterion!”, o animal rugiu em resposta. “Sou Thelkterion celeste, posso caminhar no ar e fazer fogo com as mãos, e sei o nome de mil criaturas e guardo frascos de brisa. Se há uma besta lá fora, ela será minha presa, e eu não necessitarei da ajuda de ninguém para encontrá-la e matá-la eu mesmo!”
“Talvez”, principiou ela em resposta, respeitosa de seu poder, “talvez tenhas razão”. Porém então o respeito sumiu-lhe do peito, por ser ele tão prepotente e arrogante, e ela prosseguiu com veemência: “Mas eu é que vim em busca desta besta, e foi a mim que o povo daqui pediu ajuda e instruiu. Eu é que devo caçá-la, pois sou Valina, espadachim, arqueira e domadora, assassina de monstros, protetora de homens, andarilha de todos os caminhos! E não necessitarei da ajuda de ninguém para encontrá-la e matá-la eu mesmo!”
“Talvez tenhas razão”, o leão sussurrou. “Perdoa-me, não devo interferir em tua missão, não a impedirei; vai, procura e mata tua presa, se puderes. Mas ao menos volta aqui à noite, se ainda achar agrado por mim em teu coração.”

Ela foi e, convencida de que nada havia na caverna, deixou-a e vasculhou a floresta, cada folha, árvore e arbusto, e não encontrando nenhum sinal do monstro, quando a noite baixou voltou, exausta, para a Torre, e encontrou Thelkterion, novamente um homem, esperando-a na porta.

“Mais uma vez, nada pude encontrar”, disse-lhe, “amanhã, procuro pela última vez, no único lugar em que não procurei. E se não encontrar nada, partirei.”

Ele mostrou-se muito triste ao ouvir isto, mas nada disse, e passaram o resto da noite juntos como se nada daquilo houvesse acontecido, e dormiram o sono agradável, debaixo da colcha adornada por estrelas reluzentes.

Quando acordou no dia seguinte, Valina dormia ao lado de um grande dragão de escamas vermelhas.

“Sai desta cama, monstro!”, berrou, rapidamente saltando de espada em riste.
“Quem não sairá deste quarto és tu, mulher!”, respondeu a besta com um rosnado que era como um trovão, e as paredes da sala tremeram e as janelas se estilhaçaram. “Pois é meu desejo ter sempre contigo conversas, e que sempre chame pelo nome que me deste. E quero sempre poder ouvir tua voz mansa, correr as mãos pelos teus cabelos lisos, sentir a tua boca, a pele macia de teus seios, teus braços, tuas coxas, o cheiro que deixas em minhas colchas de estrelas reluzentes. Tu ficarás aqui e farás tudo que eu te disser!”
“Ou o que?”, disse-lhe Valina, e sua voz não era mais mansa.
“Ou queimarei teus cabelos, dilacerarei tua pele, arrancarei tua cabeça de teu pescoço alvo, que eu prefiro-te morta a longe de mim, e não serei negado!”
“Talvez,” principiou ela em resposta, temerosa de sua fúria, “talvez tenhas razão.” Porém então o medo sumiu-lhe do peito, por ser ela tão valente e habilidosa, e prosseguiu com veemência: “Mas é meu desejo estar sempre viajando, e que possa sempre mudar de lugar para lugar. E quero sempre poder ouvir o murmúrio do vento e do mar, sentir o cansaço das andanças nas pernas, o prazer de conhecer nova gente, de cavalgar, de uma boa luta de espadas, do dobrar das cordas dos arcos e do zunido das flechas, de uma vitória suada. Eu irei para onde quiser e tu não poderás me deter!”
“Ou o que?”, urrou o monstro.
“Ou furarei teus olhos, derrubarei tua torre, lacrarei tua caverna e arrancarei teu coração, que prefiro estar morta a aqui presa, e não serei negada!”
“Talvez tenhas razão”, o dragão sussurrou. “Perdoa-me, não devo deter-te aqui, nem muito menos quero ferir-te, nem sei se poderia fazê-lo. Vai aonde te aprouver, apenas lembra de mim, e saibas que, se te fores, não deves te preocupar em arrancar meu coração.”

Mas Valina não saiu da Torre, pois era este o último lugar onde deveria procurar, e de fato as palavras de Thelkterion, dragão ou não, trouxeram-na as memórias dos momentos agradáveis, e ela não sentia mais o ímpeto de partir. Não encontrou nada, porém, e quando se sentava para descansar de sua busca frustrada, uma voz ecoou pela torre.

“Valina, onde estais? Para onde vais?”
“Estou no salão das armas, e não vou a lugar algum.”
“És viajante, estarás sempre indo a algum lugar”, prosseguiu a voz, que era, e não era, a de seu hospedeiro. “E eu desejo ir contigo.”
“Não sê tolo, Kterion. Tu tens tua torre, teus livros e teus quartos para cuidar, e todas as maravilhas que quer. Não queres de fato sair daqui, nem acho que possa; não és viajante.”
“O que não quero nem posso,” completou, aproximando-se cada vez mais, “é viver sem ti.”

E assim que terminou de falar, adentrou a sala, mas não era mais Thelkterion. Seu corpo peludo era, sustentado por quatro patas terminadas em garras afiadas, e em seu ombro direito havia a cabeça de um bode, no esquerdo, a de um leão, e sua cauda era também o pescoço escamoso e avermelhado, que levava à face de um dragão hediondo.

Valina sacou de pronto sua espada e defendeu-se do monstro, que tentou devorá-la; durante longo tempo lutaram, e ela feriu-se muito com o fogo, os chifres, os dentes e as garras, mas ao final perfurou-lhe na altura onde deveria ficar o coração, e a besta caiu derrotada.