28.1.05

Vates

Já foi dito, e há quem diria que eu mesmo fosse defensor ardoroso desta tese, que a arte nasce somente diretamente do sofrimento, da dor, da solidão; e o q questiono aqui é apenas o tal "diretamente" - pois q não são a felicidade, o prazer e o amor, senão a cura dos anteriores? mas tal discussão não terá mais espaço neste post. Admitamos q a arte nasce também da felicidade.

Em q resulta tal arte? Para o solitário sofrido, ela é de pouca valia, uma máscara de desejo para a realidade da qual ele deseja se distanciar, mas raramente motivadora. Pelo feliz, ela tb nada demais faz: pessoas felizes têm a vida naturalmente repleta de poesia e podem, facilmente, criá-la, se acharem que precisam de mais, ou que sua felicidade deveria ser partilhada da melhor forma possível. Ela pode até torná-los ainda mais felizes, mas mesmo nesta função a arte nascida da dor a superará; não há motivo melhor para a felicidade do q perceber como se deixou a tristeza para trás, o quão longe ela ficou.

E para o solitário, o melhor remédio não é a ilusão da felicidade, que não passa de qquer forma de anestésico. Ele precisa de grandes doses de sofrimento compartilhado - a vacina não passa de uma forma levemente diferente da própria doença, a cicatrização vem da dor. O doente de tristeza precisa de álcool na ferida, da brasa cauterizante; a alegria o fará ainda mais triste, a arte estéril da felicidade pode pouco para além daquele que a criou.

É claro q há exceção, q há mediocridade e esterilidade na tristeza, e superação na alegria. Mas os melhores vates são quase todos uns fodidos.