14.11.07

Heitor - IV

Li a frase do post anterior, e pus-me a perguntar: não estava normal. E agora, estou? E como responder a isto sem estipular um "normal" próprio que dificilmente pode ter uma base empírica consistente? "Fui de um jeito antes" não serve. A bem dizer, "já fui de um jeito" é a única prova que temos de que jamais tornaremos a sê-lo novamente, únicos em cada momento por ser cada momento único. Então penso que já escrevi sobre isto antes, que estou me repetindo, e que isto é típico meu, "normal", e as teorias todas vão se misturando.

Sei o que é que faço aqui: este é meu espaço livre da obrigação de coerência, e talvez por isso canse-me dele. Sinto que me urge recolocar a vida no lugar, um lugar diferente, e urge mais coerência no viver e mais tempo gasto no que escolhi como objeto de minha dedicação - ou menos tempo com bobagem. Vou parar de escrever aqui, deixar pra trás isto, largar mesmo, não quero mais saber desta merda de blog. Já teria mesmo parado se não fosse este post incompleto.

O leitor esperto e assíduo já fez as contas 4 meses atrás, ao terminar de ler o post anterior. O que havia mudado em mim é que a a ficção havia me pregado uma peça, meu personagem começara a vingar-se de mim como eu planejara vingar-me nele: eu conheci Carla e me apaixonei perdidamente, como ele. E fui frustrado em minha esperança de escapar à solidão, como ele.

Minha esperança foi tanta, ou talvez minha felicidade o tenha sido, que decidi compartilhá-la: fiz com que Heitor tivesse outra companheira, talvez até para que, quando escrevesse em seu nome, pudesse transbordar através dele minha felicidade. E quando Carla me arrasou, fiz o possível para arrasá-lo também, e poder através dele transbordar minha frustração e raiva.

Falhei. Heitor estava agora totalmente fora do meu controle. Os lamentos duraram pouco, logo substituídos por um novo romance, e desta vez uma coisa quase de sonhos: uma estranha que, em uma noite, tornou-se paixão avassaladora e, em não muito mais que isso, amor e companheira de todos os momentos. Eu havia criado Julia, esta outra personagem, que era para ele uma contraparte tão adequada que chegava a ser suspeita - deus, eu usei clichês ridículos como "nossa, você também fez teatro!", "nossa, você também gosta de (nome de banda)"! Quando fiz com que a resposta a "você conhece sandman?" fosse uma tatuagem da Delírio nas costas dela, entendi que havia cruzado a barreira do ridículo - e não sabia dizer porquê!

Mas o leitor deve estar entendendo, porque é mais fácil entender estas coisas quando lidas, quando se tem o tempo da reflexão. Eu entendi quando fiz isto, li e refleti sobre o Heitor que agora assinava meus textos, feliz com suas escolhas, feliz com sua cara-metade, e, como ele mesmo escrevia, pronto para fazer tudo de novo, sem se importar com os riscos de ser novamente frustrado. Entendi e tive medo, tive asco de mim mesmo e minha ingenuidade:

Heitor não era minha vingança contra o mundo - se em algum momento o fora, não era mais; era, sim, meu desejo do mundo, a vida que eu almejava. Eu o criei com a intenção de destruí-lo e me justificar, mas tudo que consegui foi destruir minha justificativa: todas as semelhanças eram prova de que meus insucessos eram de mais ninguém, meus apenas; senão a prova factual, a prova que eu mesmo produzira, de minha alma. E eu o odiei, mas já não sei se ainda o odeio. No momento, não penso nisso.

No momento, quero distância. Talvez, no futuro, nossos caminhos se cruzem novamente; mas até lá, espero ter me tornado um Alessandro diferente.

Adeus, leitor. Se o blog te afeiçoa, podes continuar a passear por ele, pois não pretendo eliminá-lo; por outro lado, tampouco pretendo continuá-lo. Portanto, adeus.

Quem sabe um dia nos vejamos novamente.

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(nota do autor: não, ainda não acabou. Tem mais.)