18.4.07

Estranho, porra...

Pra integrar a série “traumas de mestrado”.

Dizem que se você fica muito com uma coisa na cabeça, ela acaba aparecendo no seu sonho. Pois depois de passar as duas últimas semanas basicamente só cultivando dor de cabeça por conta dessa coisa de teoria da alienação (ou seria estranhamento?), sem resolver direito o que é a tradução de quê pra quem... batata, Marx me aparece no sonho. De barbão e tudo, mas falando o mais perfeito carioquês. No bar.

- Não sei que cês fica dando tanta bola para esse monte de merda que eu escrevi quando era moleque.
- Porra, Marx, cara, fala sério, pelamordedeus, tu tem que me explicar essas merda, afinal de contas, qual é a diferença entre alienação e estranhamento, que que é um, que que é outro, que que é entäusserung, qual é entfremdung?
- Heitor, meu filho, olha só, vou te explicar dum jeito que tu entenda. Ô, Engels, traz mais uma!
- Diz aí, diz aí.
- Olha, imagina que tu tem uma namorada, tá certo. Aí ela te larga, manda você embora porque tu é um canalha nojento, ou não dá atenção a ela, ou brochou, tá certo?
- Certo nada, caralho!
- Calma, rapá, é hipotético. Bom, a mulher te externou, te botou pra correr, expulsou de casa: entäusserung. Pegou?
- Hm...
- E agora, o entfremdung, é quando a mulher já tá com outro, depois de ter sido externada, ela foi apropriada por outro, e agora é um ente estranho, alheio a você, sacou?
- Mas e o aufhebung, como é o aufhebung?
- O aufhebung. O aufhebung é a superação, entendeu, a transição, a evolução pra outro nível.
- Virou hippie, Karl?
- Calaboca e volta pra tua cachaça, Proudhon! Mas é isso, imagina que você tá com aquela vadia que só tá atrás do teu dinheiro, dá pra Deus e o mundo, e aí você manda um “estanca, piranha!” e parte pra outra! Isso é aufhebung! Entendeu?
- Num sei, acho que não...
- Porra!

Aí não sei bem o que aconteceu, momento seguinte estamos jogando Marvel x Street no fliper da Prado Júnior, e eu só lembro que o István Mészáros apareceu e me tirou da máquina com aquele combo roubado do homem-aranha, eu fico puto:

- Que filha da puta apelão safado, como é que esse véio escroto aprendeu a jogar assim?!
- Escroto eu posso ser... agora véio não! Agora eu vô embalangá minha capa... e vou fritar ocê!
- Coé véio, tu tá meio... tá meio estranho.
- Estranho entfremdung ou entäusserung?
- Aaaargh!!!

Aí não sei que aconteceu que estávamos na rua, indo sei lá pra onde, o Marx pára tudo vira-se pra mim e diz:

- Pronto, é isso, quando o Mészáros te ganhou, ele te expulsou, te externou da máquina, isso é o entäusserung. Depois a máquina passou a ser dele, ficou estranha a você, entfremdung! Entendeu agora?
- Ah! Agora entendi!
- ... Putaquepariu, mas tu é muito nerd mesmo, eu tô aqui há meia dúzia de hora te explicando com exemplo de mulher e tu nada, é só aparecer um fliperaminha que tu já tá sabendo de tudo! Porra tu é muito bucha mermo!
- Pô, cara, que é isso, eu até tenho namorada...
- É, namorada? Pois parece que tem uns 10 anos que tu não vê uma buceta!
- Mas que é isso, você.
- Seu merda!
- Eu tô falando... você é maneira de você falar, você é membro do partido comunista, é?
- Sou, claro!
- Mas num parece, tô te fazendo uma dissertação, você...
- Fala grosso, porra! Caralho.

Nessa altura, Marx citando o trote da Telerj deve ter ativado algum botão de “acorda” na minha cabeça. Se serve de consolo, acho que pelo menos as metáforas são válidas...

6.4.07

Julia

O que fui um dia me fugira
O que sonhava ser, não sabia
Ainda sem percebê-la, sentia-te, que
o solo onde pisas se firma.

Não acusa aos astros, nem as linhas.
Teu encontro é que formou o horizonte – pois
o solo onde pisas se firma –
e lá no fundo negro de teus olhos, fica comigo.

Caminho agora contigo.
O solo onde pisas se firma,
chão descalço de nossos lares e ruas.

Ajustas tuas passadas largas às minhas.
Olhar oblíquo, voz suave, agir firme,
sorriso, sono, beijos, carinhos, manias
(amor em constante lembrança).

O solo onde pisas se firma:
O que fui um dia me foge:
O mundo exagerado foge:
Tudo vejo, lembra-me,
deste vasto amor que sinto por ti.

5.4.07

Conversa Fiada

Estive pensando. Na verdade estive pensando em inúmeras coisas no longo vão de tempo que separa este dos meus últimos posts, mas de maneira geral tenho achado muito pouco que pareça valer à pena ser escrito. Porém uma das primeiras coisas nas quais pensei acho que valeria o registro, então estou achando por bem registrá-la.

Eu pensei: pelo menos ela foi sincera. Ela disse: "não gosto de você o bastante". Não se pode criticar isso, não se pode rebater. Digo, claro, pode-se até contestar o gosto, dizer "claro que gosta, você disse que me amava! nós ainda nos amamos" etc., mas se ela realmente não gosta, e, sou obrigado a crer, no caso não gostava mesmo, caso encerrado. Não consigo pensar em motivo melhor para terminar uma relação - talvez porque ele seja, a exceção dos casos fortuitos e forças maiores, o único.

O leitor certamente já teve de engolir, e/ou já tentou (ou mesmo conseguiu) enrolar alguém com motivos "circunstanciais" para o término de uma relação, tais como (vamos deixar de lado o "moramos muito longe um do outro", porque este é mais complexo):

- preciso me dedicar ao meu trabalho/estudo
- tenho que cuidar da(o) mamãe/papai/vovó/titio/cachorro/papagaio
- não vamos dar certo, somos muito diferentes
- não estou pronto(a) pra uma relação séria
- gosto de você, mas não somos sexualmente compatíveis (essa é particularmente cretina e pseudo-esclarecidinha)
- e a mãe de todos eles: acho que estou precisando ficar sozinho(a)

Permitam que eu me demore neste. Não vou teorizar algo na linha "o ser humano nunca quer ficar sozinho, pois é um animal social" (até porque não é, mas vamos deixar as traduções ruins de Aristóteles pra outra hora); acredito que há pessoas que precisem, sim, ficar sozinhas. Quando percebem esta necessidade, estas mesmas pessoas fazem um mochilão por trilhas na mata atlântica, fogem para as cavernas do Paquistão, escalam o Everest, ou adotam uma variante qualquer destas atividades heremitas. Já o seu(ua) namorado(a) está só mentindo, mesmo que não tenha se dado conta disso. E a mentira feia e malvada que ele(a) está contando tem até nome: transferência de responsabilidade.

A título de ilustração, a idéia de conto-paródia que deixo de executar na íntegra pela falta de habilidade e paciência:

Imagine Romeu jogando as pedrinhas na sacada de Julieta. A moça aproxima-se, ele cospe toda aquela prosa shakespeariana tão bela e parodiável, mas Julieta não parece impressionada. Ela, pelo contrário, resmunga algo como "é, eu também acho tudo isso muito legal e gostei de ficar com você, mas acho melhor a gente parar".

"Mas, mas eu te amo! Nós nos amamos!"
"É, Romeu, eu sei, mas não é por mim... é que, as nossas famílias. Elas se odeiam. Não vai dar certo."
"Mas!"
"Nós temos que encarar as coisas com realismo, com maturidade..."
"Maturidade? Você só tem 15 anos!"
"Então, somos muito novos ainda, e ainda vamos conhecer outras pessoas, não precisamos ficar nos precipitando..."

Moral da história? O que está faltando a esta Julieta aqui dizer? Onde está sua desonestidade? A Julieta que conhecemos arriscou tudo, tudo pelo seu amor, e pagou com a vida. Claro, ela talvez não amasse de fato, estava apenas muito apaixonada (toda essa confusão dos ingleses, que não tem as palavras para diferenciar uma coisa da outra), e claro, talvez fosse apenas um bode expiatório para se rebelar contra sua família ou vá lá o que seja. Mas ela acreditava gostar dele o bastante para que nada fosse considerado obstáculo; um hábito altamente insalubre, mas ilustrativo. Porque agora, o que minha Julieta parodiada acima não está dizendo é o exato oposto do que a de Shakespeare diz: onde uma declara "eu arriscaria tudo por você, abriria mão de tudo por você", a outra omite "eu não abriria mão de tudo por você, e há coisas, muitas coisas, que me fariam, e no caso agora me farão, deixá-lo, porque eu simplesmente não gosto de você o bastante".

Vale o mesmo para todos os meus exemplos acima, assim como provavelmente a maioria ou mesmo todas as experiências do leitor. Acrescente sempre "não gosto o bastante de você" e tudo fará sentido, e como de forma muito pouco original gosta de cismar meu camarada Cristóvam, no fundo as tramas mais complexas têm as causas mais simples. Reescreva:

- eu não gosto de você o bastante para abrir mão de me dedicar ao meu trabalho/estudo
- não gosto de você o bastante para deixar de cuidar da(o) mamãe/papai/vovó/titio/cachorro/papagaio
- não gosto de você o bastante para darmos certo, somos muito diferentes e não estou disposto(a) a mudar por você
- não gosto de você o bastante para estar pronto(a) pra uma relação séria contigo, mas estarei pronto(a) quando aparecer alguém de quem realmente gosto muito
- não gosto de você para tentar descobrir porque não somos sexualmente compatíveis, especialmente se isso envolver admitir que tenho problemas
- não gosto de você e acho que prefiro ficar sozinho(a)

Enfim. Pelo menos, penso eu, pelo menos dessa vez não tive que ouvir esse tipo de conversa fiada. Pelo menos, acho eu, nunca tentei enrolar alguém dessa forma. E pelo menos, acredito, se estou conseguindo enxergar alguma coisa, qualquer coisa, de positivo em toda essa história de fim de namoro ou sabe-deus-o-quê... então acho que já devo estar melhorando. E talvez eu saiba o porquê.

Mas vou deixar pra falar disso quando tiver mais paciência, menos trabalho, e, quem sabe, ainda mais otimismo. O blog pode até estar meio morto, mas talvez eu ainda tenha jeito.