12.8.06

Mandinga

"O homem que diz "dou" não dá, porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz "vou" não vai, porque quando foi já não quis
O homem que diz "sou" não é, porque quem é mesmo é "não sou"
O homem que diz "tô" não tá, porque ninguém tá quando quer
Coitado do homem que cai no canto de Ossanha, traidor
Coitado do homem que vai atrás de mandinga de amor"

... nunca gostei de samba, e agora fico carregando essas irritantes odes ao sofrimento do Vinícius comigo. Ódio ao que amamos, ódio ao que amamos!

Mandinga? Eu, que nunca gostei de samba?

Carla, sua filha da puta!

Farsa

O mundo, parece, não tem mais lugar para mim - regresso à farsa.

"A dama negra partiu meu coração e chorei, em meu quarto sozinho, mas enquanto me lamentava, em algum lugar dentro de mim, eu estava rindo. Pois eu sabia que poderia tomar meu coração partido e colocá-lo no palco do The Globe, e fazer a platéia derramar suas próprias lágrimas."

Repita-se o clichê, Neil Gaiman, eu o odeio! Deus do céu, como eu o odeio, como é possível odiar tanto aquilo que se ama?! Odiar aquilo que esteve comigo durante alguns dos mais felizes momentos da minha vida, que é parte essencial até daquilo que os causou? Como é possível odiar a felicidade passada, apenas por não estar mais presente?! Ela sempre dos estados do ser o mais efêmero?

"Deuses vêm e vão. Mortais lampejam, reluzem e se apagam. Mundos não duram. Estrelas e galáxias são coisas transitórias e fugidias que piscam como vagalumes e se desfazem em pó e frieza. Mas eu posso fingir."

É terrível e maravilhoso que eu esteja escrevendo isto e o tempo não vá apagar estas palavras tão cedo, para que eu posso amanhã vir ver o estado de ridículo a que fui submetido e quem sabe rir ou me envergonhar dele - ou, talvez, a memória traga-me o choro. E é maravilhoso que eu possa fingir.

Finjo agora, todos os dias, ao falar com qualquer pessoa que me dirija a palavra, estar vivendo uma vida normal. E quando me perguntam: "tudo bem", respondo-lhes que "sim, tudo"; e se algum amigo comenta que pareço abalado, digo que "não, estou até muito mais tranquilo do que achei que fosse ficar; a vida é assim mesmo", etc., etc. E protegido pelos muros de minha casa, maldigo minhas próprias palavras passadas, minhas expectativas - mas somente porque o mais duro...

O mais duro é pensar que não me arrependo de nada, ou ao menos de quase nada. Mas não me arrependo dos vaticínios, não me arrependo de Sandman, dos beijos e dos carinhos, das piadas idiotas sobre Robespierre, merda não me arrependo nem das brigas, não me arrependo nem de ficar calado ouvindo que eu devia ser menos fechado... e principalmente, não me arrependo de pensar que agora, enquanto me lamento, em algum lugar dentro de mim estou rindo, por que poderei tomar meu coração partido e colocá-lo no palco do The Globe - ainda que eu, não sendo Shakespeare, dificilmente consiga fazer a platéia derramar suas próprias lágrimas. Em algum lugar dentro de mim estou rindo, não me arrependo.

Mas queria conseguir parar de chorar.

Porque há duas semanas eu não faço outra coisa; duas semanas que eu não consigo ver um casal feliz na rua, um beijo num filme, sem que meus olhos comecem a marejar, meu estômago embrulhe - meu estômago, sempre pagando pelos meus amores.

Porque o fato de saber que vou me arrebentar todo, o fato de entender que a dor é um risco aceitável, parte natural, contraponto do prazer e da felicidade, e até estar, em algum lugar dentro de mim, rindo; no fim das contas, nada disso torna tudo mais fácil, nada disso é consolo. O razoável não soluciona, não diminui os esforços; e sinto-me regredindo, uma merda duma criança frágil e vulnerável: tudo que eu queria era colo, carinho, alguém dizendo "vai ficar tudo bem". E penso nisso, e me lembro: estou sozinho no mundo.

Minhas palavras não vão mudar isso, nem minhas convicções, nem meus teoremas, estou sozinho no mundo e não posso mudar isso, e queria conseguir parar de chorar.

Regresso ao mundo? Meu regresso é que é farsa.

2.8.06

Isso É Tolice...

"Ela decidiu que não me ama mais."

As palavras da abertura do segundo capítulo de "Vidas Breves" são, agora, mais que apropriadas, inevitáveis.

Sei que tenho muito a dizer, e não sei se ainda acredito em uma palavra sequer de qualquer pequena gota de convicção que eu tenha enunciado aqui no passado - e não direi nada, por ora. Talvez se, ao falhar em retornar ao mundo, não encontrando mais lugar para onde me refugiar, eu necessite buscar abrigo nesta farsa comunicativa. Por enquanto, basta dizer quase nada para anestesiar um pouco os sentidos e fingir partilhar a dor.

Que mais posso dizer? Que há do que me arrepender, mas quase nada. Afinal, eu já sabia que ia me foder todo, não? Cheguei a escrever aqui, redigido com todas as letras: "vou me foder todo". A auto-profecia é sempre a mais fácil, o sofrimento por amor, o mais tolo - mas ainda assim são aquilo que Morpheus, e todos que costumam caminhar um pouco demais em seus reinos, mais costumam praticar.

"Isso é tolice...

Por que sofrer tanto? Eu mal a conheci. Um punhado de meses, pouco mais...

Eu lhe teria dado mundos só seus, atados como safiras e esmeraldas num cordão de seda. Eu lhe teria dado...

Eu não paro de pensar em seus olhos, fitando o infinito. Olhos frios, avaliando-me desapaixonadamente...

E, no fim, ela me disse. Mas eu já sabia. Estava lá, em seus olhos.

Ela tinha decidido não me amar mais."