14.2.06

Agências Reguladoras

- Vamos, Larissa. Larissa. Não chore, isso não combina com você.
Deu o primeiro lenço de muitos, já com caixa de papelão e tudo, à garota, que os usaria dali em diante mais para manter as mãos ocupadas do que para limpar lágrimas – estas a voz mansa de Aurélio logo ajudou a secar.

- Isso, uma moça bonita chorando por uma bobagem dessa, não combina.
- Tá, fessor. – os sinais de calma foram breves e seguidos por nova indignação. - Mas ele, ele nem pediu desculpas!
- Vai pedir, Larissa, dê tempo a –
- Ele é um idiota! Um crianção! Por que os meninos são todos assim idiotas!?
- Mocinha. – o sorriso dele não condizia com o tom repressor.
- Eles são todos, todos, uns, uns imaturos, parece que –

Aurélio tapou-lhe a boca com a mão, sinalizando por silêncio, mas era tarde e a coordenadora, da sala ao lado, avisou:

- Professor Cardoso, controle sua aluna. Você sabe que o CAM está bem rigoroso esse ano.
- Sim, senhora! – ele respondeu, suspirou, e sentou-se ao lado de Larissa. – Mocinha, você já devia ter aprendido a não usar essa palavra à toa.
- É o que eles são.
- Larissa!

Aurélio abaixou-se em frente da aluna para prosseguir, aproximou-se bem de seu rosto, ao que ela reagiu de forma ligeiramente tímida.

- Escute aqui, mocinha, e escute bem, porque eu já estou cansado de repetir isso pra você e todos os seus colegas. O Vinícius, assim como o Marcos, o Lúcio ou o Vladimir, fez todos os testes de maturidade regularmente e está perfeitamente de acordo com o nível de maturidade de sua idade.
- Pois não parece.
- Eu sei que é difícil pras garotas, especialmente pra você, porque amadurecem mais rápido, mesmo. Tanto que muitas de vocês, como você, já até fizeram o teste do ônibus inter-municipal e passaram.
- Eu já sei até pegar o inter-estadual!
- Ótimo, mas –
- E o trem!
- Ótimo, mas escute o que. O trem?!
- O trem. – ela sorriu orgulhosa.
- Você ficou maluca, garota!?! O que você foi fazer na linha de trem com 12 anos de idade, você –
- Alguma coisa errada, professor Cardoso?
- Não, senhora!

Virou-se de volta para Larissa, num misto de sussurro e berro:

- Larissa, você ficou maluca, quer morrer, ser seqüestrada? O mínimo que acontece é levarem seu visto de maturidade D-4 se a CAM passar lá!
- Mas eu consigo.
- É proibido, Larissa, proibido, entendeu?
- É uma proibição idiota! Além do mais, o Vinícius –
- Não quero saber do Vinícius, você vai me prometer nunca mais fazer isso, está bem?

Larissa quase não conseguiu encarar seu professor diretamente, abaixou os olhos, abriu um sorriso muito pequeno e involuntário.

- Tá bom, professor. Eu prometo.

Suspiro aliviado, Aurélio passa a mão esquerda pelo rosto.

- Mas eu vi o Vinícius jogando King of Fighters XXII outro dia e ninguém fez nada com ele.
- Ele jogando King of Fighters. Ótimo. O que tem?
- É proibido pra baixo de B-2!
- Ah, é? Que estranho.
- Tá vendo, até você acha estranho. Não sei pra quê tanta regra.
- Ah, Larissa. – novo suspiro. Já devia ter se acostumado, era coisa da idade deles, mesmo. – Olha, a gente precisa de regras, né?
- É, mas pra quê tanta?
- Olha, pensa assim, você quer ter bons professores, não quer?
- Eu já tenho o melhor. – novo sorriso.
- O quê?
- Quero, quero.
- Então. Pra isso o governo criou o sistema de avaliação de escolas, pra manter todas as escolas com um nível de avaliação bom. E fez isso pras universidades também, e pra todos os professores. Porque a gente tem que se preocupar com a qualidade do ensino.
- Arrã.
- E com a qualidade profissional em todos os ramos. Então você não tem só a fiscalização dos professores, do MEC, do CAAD e da SED. Tem a FEJAN, pros funcionários do Judiciário, o MOSSA, pros deputados, a FUBA pros catadores de lixo. Agora, de que adianta você ter um professor que sabe tudo de geografia, se ele é uma péssima pessoa, um bobalhão ou um mau-caráter?
- Nada...
- Então, por isso eles criaram essas maneiras de analisar a evolução da maturidade. Você sabe como faziam antigamente para avaliar a maturidade de alguém?

Ela até sabia, mas preferia ouvi-lo dizer.

- Pela idade! Então, se você tinha 18, podia votar ou ser preso, ou comprar um imóvel, se tinha 35, podia tentar ser presidente, ou senador. E sabe quantos anos uma criança precisava pra andar de elevador?
- 10.
- Pois é, 10. Hoje em dia, se você já tiver passado no teste de arrumação de quarto e no de tomar banho sozinho, pronto, você pode fazer o teste do elevador, e andar de elevador!
- Arrã!

Novo sorriso. Ela já deixara de chorar há algum tempo, e o vermelho dos olhos sumia.

- Larissa. Por que o Vinícius pintou sua mochila toda e escondeu?
- Porque é um crianção!
- Mocinha... Tem um monte de coraçõezinhos escritos “Larissa ama...” e nomes riscados. Foi você que riscou o nome, não foi?

Olhos baixos de novo, rubra, ela tenta encará-lo e falha.

- Fui.
- Você está gostando de alguém, mocinha? É isso?

Ela apenas balança a cabeça positivamente.

- É alguém mais velho?
- Hunrum.
- Então o Vinícius só está com ciúmes. Eu também tinha, quando tinha a idade dele.
- O Vinícius é um idiota, e não se parece em nada com você, professor!
- Então, é por isso que você está triste? Por que quem você gosta não gosta de você?
- Não, eu. Eu.
- Você?
- Eu sou uma besta, Aurélio!

Novo choro. Lenços ignorados, ela busca os braços dele, que a afaga com um sorriso no rosto e boas memórias na mente.

- Tudo bem, Larissa. Tudo bem. Não tem problema chorar por isso. A CAM ainda não regula maturidade de gente apaixonada, não.
- Não, né? – ela riu, entre os soluços.
- Também, se regulasse, estávamos todos fod –
- Professor Cardoso!
* * *
Para Gaudêncio: sim, eu já aprendi a tomar banho sozinho, grato pela piadinha.

2.2.06

Deve Ser Engano

Omar sacudiu na cama ao som manso e repetido da campainha. Nem ela nem a sua boca, seca pela cerveja do dia anterior, pareciam-lhe motivo o bastante para levantar. Tinha sido uma noite medíocre, porém regada por latas a perder a conta, e exaustiva. Olhou o relógio e calculou apenas 2 horas entre a última vez que o fizera. Então optou por apenas gritar:

- Quem é?!
- É A MUDANÇA. - uma voz suave e profunda ecoou do corredor.
- Mudança? Olha. Deve ser engano!
- ACHO QUE NÃO. AQUI É O 402, NÃO?
- O 402 é aqui!
- SIM.

A merda do álcool ainda não tinha abandonado sua cabeça. Puta vontade de soltar um palavrão.

- Olha, moço, não tem nenhuma mudança, entendeu? Não tô me mudando daqui, quem vai se mudar é o vizinho aí, do. Aí do lado.
- QUAL?
- E eu sei lá porra! - pronto, soltou.
- TENHA CALMA, OMAR.
- Calma é o caralho, você vai conferir o número aí, ou então vai incomodar os vizinhos também um por um, mas eu não tô de mudança, nem vou tá tão cedo! Vai embora!
- SE É O QUE QUER...

Ouviu passos se afastando, e mais nada, então voltou a dormir. Só muito tempo depois foi perceber que o sujeito havia dito seu nome; mas não permitiu que aquilo o incomodasse.

* * *

Outro dia, pouco menos de uma semana depois. Outra ressaca, um pouco mais de tempo dormido, e a mesma campainha. Omar novamente recusa-se a levantar.

- Ô caralho, de novo... - olha o relógio, vira-se pra porta. - Quem é?!?!
- É o tempo.
- Eeeeeita...

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A partir do relato de Alexander.

Editado: as formatações nos textos dos interlocutores de Omar também foram sugestões do Alexander.