10.1.06

Motivos, Impactos, Detalhes

Encontrei Cristóvam de novo outro dia, no centro da cidade, desta vez; uma destas coincidências que nos levam a suspeitar de um dedinho de teleologia transcendental. Exato oposto do último post, ando tão sem vontade de escrever que só o faço agora por um esforço convicto: a conversa ocorreu já há duas semanas, e desde então eu penso em postá-la.

Ele saia escoltado do edifício que, creio, seja sede de uma ou duas empresas ou subsidiárias nas quais ele tem parte - ou a totalidade - por dois assessores que falavam muito, sem dar-lhes muita atenção. Vendo-me, sua fisionomia abatida abriu-se com o que mais tarde mostrou-se uma possibilidade de fuga das responsabilidades tediosas do cotidiano - francamente, duvido que algo como feriados santos ou férias existam de fato para alguém como Cristóvam. Mandou ambos embora e chamou-me para almoçar num restaurante a quilo próximo, que embora não fosse propriamente pé-sujo, estava longe de ser o que se espera dele.

Poucos minutos de conversa fútil e agradável foram cortados por um breve silêncio e uma observação inesperada dele:

- Esta não é a expressão de um professor e pesquisador universitário estressado pelo fim do semestre e pelos feriados.
- É exatamente como estou - respondi, estranhoso.
- Não, doutor Lima, - eis como ele se refere a mim - você está apaixonado.
- É um pretensioso!
- Não finja, doutor, vai apenas constrangê-lo mais.

Expus a partir daí uma longa e persuasiva defesa acerca da pretensão irracional de Cristóvam, de saber de uma olhadela o estado de espírito de seu interlocutor. Ele retrucou perguntando-me o que eu conhecia de Walter Benjamin - um bom tanto, respondi.

- Então certamente não negará a influência do pensamento comunista em sua obra?
- Isso é óbvio, patente, está na cara.
- Verdade, mas não o seria, não fosse por uma mulher.
- Aquela moça do movimento bolchevique? Ah, vai partir agora pra teoria do "sempre tem uma mulher por trás de tudo"?
- Não é o caso, Doutor Lima. Lembra-se daquela minha tese sobre o comportamento humano? De que por trás de atitudes complexas -
- Sempre há um motivo simples, certo.
- E mulheres não são um motivo maravilhosamente simples? Claro, também o dinheiro é simples, ou o poder, ou o medo, mas não são?
- Para algumas pessoas.
- Das quais o senhor não ousaria se excluir.

Calei-me, que é o que fazemos quando percebemos a razão alheia. De fato, não me excluía. Sempre julguei-me discreto; mas por hora penso que minha expressão tornou-se equivalente a um adesivo escrito "palerma apaixonado" grudado na testa - talvez nas costas também. Estou tentando evitar pensar-me como especial: "alguém como eu", no caso, vale para uma fatia muito boa da raça humana. Só que passou despercebido o quanto valia para mim.

O tempo, que agora soma, no caso de meu sabe-se-lá-o-que-possivelmente-um-namoro com Carla, pouco mais de dois meses, tende a ludibriar-nos com a idéia de que os efeitos são pouco duradouros, ou que seu impacto se dilui. Falso. Eles apenas entranham-se e se enraizam a tal ponto que, seguindo-se à explosão inicial, tornam-se sutis. Exemplo? Eu não possuo um gravador de dvd; agora pego-me agindo como se o tivesse, tão acostumado fiquei com o dela. Ela, por usa vez, incorporou a carona à sua rotina. O corpo desacostumou-se ao espaço sobrando na cama, a dormir de bruços, à falta do peso sobre o peito, resultando num sono solitário mal dormido. O meu café da manhã passou a conter requeijão e pão de... enfim, detalhes. Adoro detalhes.

Não foi bem isso que motivou o post, ou melhor, foi algo mais específico, uma releitura:

"Pelo feliz, ela tb nada demais faz: pessoas felizes têm a vida naturalmente repleta de poesia e podem, facilmente, criá-la, se acharem que precisam de mais, ou que sua felicidade deveria ser partilhada da melhor forma possível."

No momento, o sono e a falta de paciência põem-se no caminho de minha elaboração. Considerem-na adiada. Boa noite.