13.8.05

A Roda da Fortuna Ainda Gira

Charles, não devia dizer, não sei se vocês sabem. Charles era sonâmbulo e escrevia bilhetes em seu sono. Charles mudou de nome. Charles explodiu uma cidade e foi embora pra vida. Caramba, ele sempre acaba fazendo isso, embora seu nome nem sempre seja Charles.

Charles tem um monte de histórias.

Ele já morou em um castelo, já venceu uma guerra, um campeonato de dardos, um gladiador e um enxadrista. Ficou milionário na bolsa e perdeu tudo no dia seguinte. Matou um amigo e fez amizade com um morto. Caiu de um precipício ao contrário e quebrou o joelho. Charles já acertou um golpe numa sombra, já fez nevar, chover e secar. Teve uma moto com rodas laminadas, uma mulher sem nome, um baralho feito à mão, um lenço vermelho, um capote marrom, botas negras, um anel, um brinco, um relógio quebrado. Charles já pisou em dois mundos ao mesmo tempo, já morreu sem morrer, já tirou um coringa num jogo de pôquer e um pôquer num jogo de coringa.

Charles quase nunca fixa os olhos. Charles não se importa com nada. Charles se acha especial. Charles é um atirado. Seus olhos têm a cor do exagero, seu coração, a anestesia do excesso.

Ele caminha pela Roda há tanto tempo, que já nem sabe se está na borda ou no meio.

Solidão (É Melhor Se Queimar Do Que Viver na)

Este post é só um recado, e o recado é o seguinte:

Eu podia dizer "avisei". É o que eu faço, mas dessa vez seria mentira - e isso é porque as pessoas mudam, as coisas mudam; só que é devagar, e, às vezes, demoramos a perceber. E o que penso hoje, é que se vaticínio da própria vida é fácil de fazer, é difícil de absorver: o que fazemos é sinalizar a nós mesmos o caminho que escolhemos e que, com muita freqüência, sabemos mais ou menos onde nos levará (embora esqueçamos no meio do caminho). O adágio "cuidado com o que desejas" é uma idiotice inadequada, que quer pôr certas escolhas como erros e outras como acertos, e fazer de toda realização, desgraça; se eu hoje olhasse para meu presente e dissesse, eis aí uma desgraça que me foi imposta, estaria mentindo. Não há desgraça, não há imposição, há esta escolha feita e cumprida em algum ponto, cujos sinais um dia me mostraram e soube ler.

Não olhemos, pois, os vaticínios com agouro e ódio - isto é não menos do que querer mal a si mesmo. Busquemos, ainda, os sinais, não mais para nos dizer o que será de nós, mas para que neles, nos vendo, possamos dizer: "isto sou eu!", e dizê-lo nos orgulhe.

Que não existem caminhos fáceis, só caminhos.

Há não tanto tempo, um caminho foi escolhido e sinalizado aqui; não vejo, agora, motivo nenhum para dele se desviar.

5.8.05

Emoi De Ke Kerdion Eiê Seu Aphamartousêi Chthona Dumenai

Heitor deixou-se cair sobre a cadeira, sem tirar os olhos da tela do computador e, ao mesmo tempo, sem enxergá-la.

Ele já nem sabia quantas vezes tinha relido aquela passagem, pois se havia algo que relia e decorava era a si mesmo em suas inúmeras auto-revisões. E se havia algo que quebrava eram as promessas que fazia a si mesmo, escritas em notas para que não esquecesse, por vezes escondidas em arquivos secretos, noutras, à plena vista do público, veladas por inúmeras auto-referências obscuras.

Pela primeira vez em muito tempo, quis ver-se livre de suas crendices e de sua mania de dramatizar a vida. Quis voltar atrás o que lhe ensinara a experiência, e ver-se um pouco mais inconseqüente, sem medo, desapegado, exagerado. Ação apaixonada? Talvez esta não precisasse voltar atrás; mas voltasse a palavra não dita, o sentimento não expresso. Um pouco mais aberto, sincero, coerente com o pensar e o sentir.

Achava que tinha mudado, mas mudara pouco perto do que permanecia: era o mesmo em seu arrependimento, como há anos são as palavras de Andrômaca, que ele sem perceber direito buscava como expressão de si.

Ele preferia, como ela, que o chão se abrisse.
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Ah, o imperdível sentimento de tornar-se persongem em seu próprio blog. Alguém acreditou que não teria volta? Vingança, vingança...

4.8.05

Em se tratando de gente

Aprende-se a odiar o descompasso de calendários entre certos estabelecimentos de ensino. É simplesmente maravilhoso; acho que é meu 5° ou 6° ano sem férias. Eu não consigo ter folga nem na greve.

Deixando de lado a natureza semi-escrava de meu comprometimento com a profissão. Acredito que já me referi ao Dr. Ramirez aqui no passado; também espero que ele não tenha lido o que foi dito, pois se bem me lembro, duvido que ele viesse a gostar. Conheci Cristovam num encontro aleatório em uma lanchonete da UERJ enquanto fugíamos de nossos compromissos; ele não reside aqui - pensando bem, não reside em lugar nenhum - mas mantém um contato eletrônico razoavelmente freqüente (vejam, vejam, lembrei até da trema! Devo estar me curando!). E, descontando o nome de ator mexicano, é uma pessoa inusitada e muito interessante.

Mandou-me ontem de tarde estas opiniões, que diz ter formado a partir de uma conversa nossa de cujos detalhes irei poupá-los. Pensei em "Algumas Orientações Negativas Sobre o Comportamento Humano" como nome para o texto da maneira como ficou. O leitor reparará que não há nada de muito original nelas, mas, ainda assim, achei divertido; como ele dissesse que não via problema na publicação, não sou eu que verei:

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Em se tratando de gente, o que tenho a dizer é:

- Não conte com mudanças, elas são a exceção. Você pode torcer por mudança, mas amigo, não conte com ela, porque até os sujeitos que mudam o tempo todo acabam é não mudando de verdade.

- Também não conte com fidelidade ou ética total, nem de você pra você mesmo, porque afinal de contas nada como auto-sabotagem.

- Não espere que ninguém se diga dono do próprio nariz o tempo todo. Todo mundo só faz isso até o dia em que se fode todo e prontamente joga a culpa em outra pessoa.

- Também não existe ninguém que não se culpe nem se arrependa de alguma coisa.

- Por outro lado, não pense que todo mundo que se culpe ou se arrependa irá sempre admitir abertamente, porque essas coisas acabam escapulindo em todo tipo de lugar, menos onde deveria.

- Não confie em palavras, confie em atos. Eu sei que palavras também são atos, mas quando você pensar nas palavras como atos e não como palavras, vai ver que faz diferença pra caralho.

- Mas o mais importante, o que não dá pra fazer de jeito nenhum é pensar demais. Quem pensa demais sobre gente só viaja, se preocupa e inventa um monte de motivos malucos e coisas malucas que vai começar a pensar que a outra pessoa está fazendo ou pensando. Além disso, todos que teorizam que o ser humano é uma rede muito complexa e intrincada de motivos são idiotas. Certo que nossas atitudes são complicadas, às vezes, mas por trás de toda teia de atitudes complicadas, se você conseguir procurar certo, vai achar um motivo simples e um desejo simples, vaidade, prazer, atração, rejeição, culpa, frustração, tesão, essas coisas. Não tem erro.

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A propósito, antes que alguém questione, Cristovam tem formação nas áreas biomédicas e não possui um pingo de autoridade acadêmica sobre o comportamento humano; sua suposta autoridade no assunto não vem de outro lugar além de sua própria experiência e presunção.