28.2.05

Ethos

(OBS: Extraído do log de campanha de Haradrynn)

____________________________
O 18º Dia do Mês da Fênix, do 998º ano da Terceira Era.

Percebendo nos rostos de seus companheiros que havia algo acerca do ocorrido na noite anterior que eles sabiam e não lhe contavam, Himme perguntou a Gaspar acerca disto. Este lhe respondeu com a Canção da Lua Escarlate.

Alegando não ter conseguido compreendê-la, Himme pede a Gaspar que lhe explique do que ela trata. "Bem, meu caro orelhudo", principia ele.

"Esta é mais uma daquelas histórias sérias e épicas, do que dizem que se passou na primeira era, quando o mundo era novo, os dragões andavam entre os homens, e a paz reinava entre os do primeiro povo - de quem os seus dizem descender.

Essa Era teve muitos heróis, porque teve muitas guerras, mas houve um considerado o maior entre eles, chamado de Ethos. Ele era jovem, mas um bravo líder de homens, um desbravador de segredos ocultos da terra, e o maior espadachim de todos. Como seu coração era puro, e como amava muito a natureza e a liberdade, opondo-se muitas vezes aos atos do Império, foi desde cedo o favorito da Deusa, que o abençoou. Ela mostrou-se ao jovem, majestosa, numa caverna próxima ao topo da Rarododreth, o pico do relâmpago, e lhe disse que desejasse dela o que seu coração pedisse. 'Uma vida rica de aventuras', respondeu ele, e no dia seguinte partiu em jornada pelo mundo por muitos anos, conquistando fama e riqueza, e fazendo um grande amigo, o fora-da-lei e trapaceiro chamado Darlis (mata-dragões).


E assim, após regressar de sua volta ao mundo, Ethos voltou à caverna, e lá viu a Deusa novamente, e ela novamente lhe concedeu o que seu coração desejasse. 'O poder para unir os homens', ele respondeu, e após isso grandes grupos passaram a segui-lo por onde fosse, e todos lhe davam ouvidos e seguiam suas palavras. O Imperador, Liternoarnas, ou Nimrod, embora seguidor de Lothar, reconhecendo sua influência e valor, recebeu Ethos, e cedeu a várias de suas exigências.

Mas os olhos de Ethos fixaram-se na Lâmina Solar, a mais poderosa espada já forjada, que Nimrod levava na cintura, e só ele podia empunhar. Por isso retornou à caverna, econtrou-se com a Deusa, e pediu a ela para que conseguisse usar a Lâmina, ao que ela respondeu: 'isto nem precisavas me pedir.'

Pois agora, amigo do Imperador e conhecido por toda Heshna, Ethos julgava ter tudo que seu coração podia querer. Mas veio o dia fatídico em que chegou do Oeste Yeda, a mais bela das donzelas, de cabelos cor de fogo, que nos dias de hoje sobe aos céus pouco após escurecer na forma de estrelas, para visitar a côrte; no instante em que a viu Ethos perdeu-se de paixão e, correndo de volta à caverna, pediu à Deusa que lhe concedesse seu amor.

'Três vezes me pediste o que desejava teu coração, e três vezes o atendi; mas essa foi toda a benção que poderia dar a ti. A este desejo agora não atenderei.'

'Pois bem', retrucou o tolo Ethos, em sua pretensão. 'Eu mesmo a conquistarei, sozinho.' Mas isto estava fora de seu poder: eis que Yeda amava Darlis, seu amigo, e ele a amava, mais do que tudo no céu e na terra, mais até do que à Deusa. Percebendo isso, e que a donzela jamais seria sua, Ethos amaldiçoou aquela que só tinha querido seu bem; ele arremessou sua espada, herança da família, na morada da Deusa, e a atingiu causando uma ferida tão profunda, que o sangue manchou a Lua de vermelho. Por isso hoje a Lua da Deusa tem esta coloração escarlate; e diz-se que sua ferida até hoje não se curou e por vezes torna a sangrar, nos dias de lua cheia, fardo que todas as mulheres da terra dividem com ela.

Donde se pode dizer que és um pouco mulher, tu e tua ferida em forma de lua, meu caro Himme! Ora vamos, não se ofenda, é só uma brincadeirinha. Enfim.

A Deusa é bondosa, mas sua fúria é terrível, e nunca ela odiou alguém como odiou Ethos naquela hora. Ela jogou-lhe uma maldição, que as donzelas do Castelo de Petrius cantaram quando ele partiu para a guerra, e é esta que eu acabo de lhe cantar, embora provavelmente seja muito mais bela em seu idioma de origem. E diz a lenda que, de tempos em tempos, nasce outra vítima da maldição: fadado a ferir e matar aqueles que mais ama, a lutar e perder, portador da marca da Lua Escarlate.

Não Himme, não acho que você devesse ficar feliz de ouvir isso."

18.2.05

Canção II

"you don't want a boyfriend
what you want is mr. spock
to come to your wasteland
and destroy the robot
something more than human
someone with blood that's cold and green
you want something better
than me"

- Nerf Herder, "Mr. Spock"


- Diz alguma coisa, Fernanda, porquê você não diz nada?

Silêncio do outro lado da linha.

- Não faz assim comigo, eu não mereço isso. Você sabe que eu te adoro! Eu não paro de pensar em você, não consigo ficar longe, não consigo ficar sem falar com você! Não consigo, você tá me ouvindo, Fernanda, você tá aí?

Ela estava, e não conseguia acreditar.

- Você sabe que eu te acho a mulher mais especial do mundo! Eu adoro tudo seu, seu jeito de falar, como você tá sempre rindo, suas músicas, as suas roupas, gosto até do jeito que você come batata frita! Caralho, Fernanda, eu. Me dá outra chance, não faz isso comigo, você sabe que eu...

Não, ele não ia fazer isso, não assim, pelo telefone, choramingando desse jeito, não era possível; o Carlos era bobão mas já era um homem adulto!

- ... eu te amo!

Ah, pelo amor de deus.

- Não, Carlos, não ama, não. - ela respondeu, e desligou.

* * *
- E unhas de quê? - Dolfo conseguiu perguntar, entre os risos. - "Meleca plastificada", é isso?
- É, isso. - respondeu Fernanda. Ele voltou a rir, foi diminuindo enquanto seguiu falando.
- Fico bobo com você, Dininha. Eu já ficava bobo desde a primeira música que te vi cantar, passei esse ano e meio todo que a gente vem tocando junto bobo, porque você, porra! Cê é engraçada pra caralho!
- Ai, meu deus. - ela sorriu.
- Não, fala sério, olha só essa letra! O cara construindo o monstro, aí casando com ele, as coisas que você colocou no monstro, caralho, é muito bom, quando você for cantar isso no palco vai ficar do caralho!
- A música não tá muito boa, ficou meio rockzinha melosa. Tenho que mudar o teclado, dar um jeito nos metais...
- Culpa dessa merda de Nerf Herder que você anda ouvindo, mas deixa isso pro ensaio. Mas o que eu ia dizer, é que eu sempre fiquei me perguntando como você conseguia isso, ser sempre engrçada, eu ficava imaginando você sozinha pensando nas paradas e se matando de rir antes de sentar pra escrever. Mas aí naquele dia da loja, com o Fábio, aí eu entendi, e aí passei a te achar ainda mais sinistra.
- Entendeu, Dolfo, entendeu o quê?
- De onde você tira suas idéias! Quer ver, aposto que isso aqui saiu de alguma coisa que o Carlos te disse.
- Não! Quer dizer, um pouco, assim, indiretamente.
- Ah, tá bom, você acha que me engana!
- Dolfo, não tô te enganando, menino!
- Você é muito boazinha pra admitir que fez uma música zoando teu ex! Hahahaha!
- Dolfo, pára com isso, eu não tô zoando ele, tô falando sério!
- Seríssimo!
Mas estava. Ela não tinha feito aqueles versos pensando em Carlos; tinha feito como sempre fazia, zoando a única pessoa que sempre zoava:
Ela mesma.

2.2.05

Inteiro

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes."

- Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

Creio ser no mínimo curioso que um homem que se dividiu em heterônimos coloque como conselho, mandamento até, a integridade. Não posso ver aí falta de atenção ou mesmo contradição, nem muito menos, como se costuma sugerir na maioria dos cursos secundários de literatura, apologia ao empenho.

O nada Teu exagera ou exclui é q são elas, parece-me; a voz de alguém que julga ser mais proveitoso chamar seus demônios internos para um piquenique do que trancafiá-los junto aos dejetos do inconsciente. Mas mais que isso, talvez, Pessoa tenha sido um promotor da (pós?)moderna quebra de identidade em sua forma artística, onde o menor contém também o maior, uma coisa pode ser duas, princípio segundo o qual não há unidade indivisível mas, por sua vez, não há divisão que altere a essência.

E a grandeza está, talvez, em entender que, por ser do todo, nenhuma das partes pode vê-lo - mas pode sempre sê-lo.